Aqüífero Karst
Pequeno expediente, agosto de 1997, Deputado Federal Maurício Requião.
Assistimos em Curitiba um quadro invulgar. Uma seqüência de acontecimentos catastróficos envolvendo os municípios de Almirante Tamandaré e Colombo na região Metropolitana de Curitiba, onde a perfuração de poços, visando à extração de águas subterrâneas em grandes volumes, tem causado danos materiais e ambientais em níveis alarmantes. Tais fenômenos por dizerem respeito à legislação federal e seu aperfeiçoamento merecem a nossa atenção.
O programa de perfuração de poços iniciado pela Sanepar em fins de 1992 no município de Almirante Tamandaré foi paralisado em julho de 1993 por decisão do então presidente da companhia Stênio Jacob dado aos imprevistos técnicos ocorridos quando das primeiras extrações de água resultando na indenização de cinqüenta casas e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição que sofreram interdição como conseqüência de rachaduras, resultantes segundo os técnicos, do afundamento do chão, devido à alteração dos níveis do lençol freático com a conseqüente desacomodação das camadas do solo. Os moradores de Almirante Tamandaré entraram na justiça e a obra sofreu o primeiro embargo[1].
Danos materiais foram ressarcidos pela Sanepar que, imediatamente firmou convênio com o departamento de geologia da UFPR para reavaliação dos riscos ambientais, extensão das conseqüências, previsibilidade do fenômeno e correção de equívocos técnicos, assim como incremento das pesquisas visando segurança.
De qualquer modo, naquela administração, a obra foi prudentemente paralisada.
O Aqüífero Karst, segundo o professor Ernani da Rosa Filho, é um reservatório de águas subterrâneas formada em áreas de rochas calcárias (carbonárias) e que apresenta quase sempre altos índices de pureza. Às vezes podem ser impróprias para uso humano.
O geólogo Álvaro Lisboa, por sua vez, explica que a faixa deste aqüífero no Paraná, (começa em São Paulo) abrange área de quarenta quilômetros de extensão por vinte quilômetros de largura compreendendo os municípios de Bocaiúva do Sul, Colombo, Almirante Tamandaré, Campo Largo com possibilidades de atingir o município de Balsa Nova.
Presumia-se em 1993 que sua capacidade total gerasse 20 metros cúbicos (20.000 l/s) por segundo. Posteriormente um grupo japonês (Japan Internacional Cooperation Agency, Jica) indicou 50 metros por segundo, (50.000l/s), ou seja, cinqüenta mil litros por segundo, o que, aparentemente, resolveria o abastecimento da cidade de Curitiba para o próximo século, com qualquer índice de crescimento.
Mas a pratica de extração, aponta, e demonstram outra e distinta realidade. Não se conseguiu, até agora, operar a exploração de mais de 140 litros/s sem a ocorrência de problemas de ordem ambiental e sócio econômica. A retirada simultânea de água de vários poços, com intuito de obter o máximo de 600 l/s criou um colapso na área.
Entrevista com o ex-presidente da Sanepar levou-nos a concluir que aquele administrador deixou-se seduzir pela proposta do corpo técnico da empresa que defendia a possibilidade da extração de 20.000 litros de água por segundo, sem problemas, a um custo inferior a 1/3 das águas oriundas da superfície que exigem tratamento mais caro.
Estava descoberta assim a galinha de ovos de ouro. Além de que, tal previsão, superava em três vezes a atual demanda da região metropolitana que é avaliada, hoje, em torno dos 6.300 litros por segundo. Para ele, como para o atual presidente, a obra seria uma gloria administrativa e política não fossem as dificuldades geológicas que se avolumaram e se avolumam.
Em vista dos problemas surgidos, a companhia recuou, com a paralisação, durante o governo passado, procurando incrementar tecnicamente a viabilidade do projeto com o apoio da UFPR.
A UFPR, que também estuda e explora o aqüífero Guabirutuba em convênio com a Alemanha, desde o ano de 1994, procura, em conseqüência, convênio técnico ampliando seus estudos, e é prudente nas suas conclusões. A Sanepar, enquanto isto investe na continuidade de outros programas.
Para Stenio Jacob, não faltava e não faltará água de superfície na região Metropolitana de Curitiba, pelo menos até o ano 2020 considerados os índices atuais. Falta sim, diz ele, água tratada uma vez que os equipamentos existentes não operam em seu "ótimo", alguns outros continuam inconclusos, e o que é mais grave, houve licenciamento para implantação de indústrias pesadas, grandes consumidoras, em áreas de mananciais vitais (anteriormente o decreto 2964/80 definia os limites do manancial e protegia como Área de Preservação Permanente a bacia do Alto Iguaçu e atualmente foram desprotegidas, por decreto, do atual governo (Jaime Lerner) que alterou os limites da bacia para permitir, acreditem, a instalação da Renault) para o abastecimento da Curitiba e região. Há também, diz Stênio, dificuldade de manter níveis de reservas "permanentes" acrescida e agravada pela perda que supera os 40%.
O projeto iniciado por ele, na presidência da Sanepar, previa 80 poços, num custo individual por poço de 7.000 dólares, e um custo total, incluindo rede, de meio milhão de dólares. Por detrás deste programa experimental, pode-se supor, há a intenção de venda de equipamentos e tecnologia para a exploração de poços de maior profundidade, 800 metros ou mais, com é o caso dos necessários para a exploração do aqüífero gigante do “Botucatu”.
Com a mudança de governo em 1995, após um racionamento que pode, então, ser considerado de " Racionamento para Formação de Opinião Pública" e por ele, Stênio, denunciado à imprensa com veemência em toda extensão de seu aspecto político, pois, o atual governo ( Jaime Lerner) o incriminava, enquanto administrador da Sanepar, por não ter efetivado investimentos necessários ao setor, responsabilizando-o pela falta de água. Reiniciaram a perfuração de poços. Voltou-se assim, então, ao tema acelerado e a exploração do Karst. A Sanepar iniciava seu processo de privatização.
José Álvaro Carneiro da Liga Ambiental denuncia: "Devido à pressa em evitar os "racionamentos" de água, a Sanepar desconsiderou 90% das recomendações técnicas...[2]". E perfurou.
Para Adilson Fioresi (31), agricultor na região, a Sanepar cortou propositadamente a água, no caso de Colombo, de muitos consumidores, alegando a falta de água aos danos causados nos poços por moradores, que desesperados pelos afundamentos, boicotavam a sangria do subsolo, como, é óbvia, uma forma de pressionar o movimento de agricultores contrário a exploração do aqüífero ao recuo. Havia interesse dos exploradores privados em adquirir o direito sobre essa água estocada naturalmente no subsolo, com ótima condição de potabilidade.
A partir de 1995 foram perfurados pela Sanepar 11 poços em Colombo, e doze horas depois de iniciada a extração, algumas fontes naturais de água, da região, secaram. Os moradores vão à justiça. A juíza Elenyce Mattar Schueler, de Colombo, embarga a obra que sofre assim o seu segundo embargo judicial[3]. Em 31 de outubro de 95 o Tribunal de Justiça suspende o embargo da juíza em favor da Sanepar. A Sanepar (Governo Jaime Lerner) retoma as perfurações em número de 14. Hoje são, segundo a imprensa, 26[4] poços e os problemas se agravam.
Casas racham. Produtores ficam sem água. Fontes e riachos secam. O solo afunda formando, "dolinas" e furnas provocadas artificialmente, pela retirada do calço hidráulico. Com a falta de água, aumentam os insumos na agricultura hidropônica e tradicional. As propriedades rurais sofrem depreciação imobiliária pela perda das águas naturais. Programas com incentivo do governo como hidroponia e piscicultura sofrem perdas[5]. A população agrícola se rebela. ONGS se mobilizam. O Aqüífero natural, pelo afundamento de suas paredes, diminuiu a sua capacidade natural de vazão e aumentam as cavernas subterrâneas com riscos de desabamento. Surgem alguns "sumidouros" com mais de três metros de diâmetro. O Aqüífero, o que é mais grave, corre risco de contaminação de seu lençol subterrâneo, o que, se acontecer exigirá dez anos no mínimo para ser recuperado. Segundo geólogos consultados pela prefeitura de Colombo, entre as irregularidades da exploração do aqüífero estaria à proximidade entre os poços[6] e a pouca profundidade, alguns com menos de 30 metros. O Impacto ambiental é grande.
O governo do estado sem interromper a exploração, e com demérito aos engenheiros locais que faziam responsável e prudentemente o papel de denunciadores, procura apoio junto à Universidade de Graz (austríaca) que pelo prestigio seria intergiversável com quem faz convênio. Os técnicos austríacos pedem três anos para o estudo. A UFPR simultaneamente recebe as verbas da Alemanha e gestiona junto à GTZ para incremento de laboratório geo-fisico. A Sanepar com ou sem dados conclusivos reinicia a extração em apenas 40 dias contrariando inclusive os técnicos da Universidade de Graz.
“Em 13 de abril de 1997, o jornal Gazeta do Povo em matéria titulada “Na justiça a questão do aqüífero” declara, a respeito do relatório ambiental feito pelo IAP:” Técnicos da UFPR que fizeram a auditoria civil do Prosam (Programa de Saneamento com Recursos do BID), dizem que o estudo é inadequado e ainda esclarecem que os técnicos austríacos que estudam o Karst, em parceria com a Universidade, afirmam que o estudo que garanta eficiência ao aqüífero levaria pelo menos três anos".
A Sanepar e alguns de seus técnicos insistem na estratégia de "aprender - fazendo", ou "aprender - errando", ou "experimentando - vendendo água". O Rima parcial, documento essencial no processo, dado ao volume considerável da água extraída pela obra, é feito em três meses[7], e têm prazo de apresentação adiado duas vezes. Não se torna publico, o documento, conforme prevê a lei. A opinião pública é flagrantemente ludibriada. Os ambientalistas não aceitam a maneira de condução do processo e recorrem à justiça. Os auditores independentes, por sua vez, contrários à Sanepar, descrevem em seu relatório à página três o seguinte: "A filosofia Sanepar de estudar o aqüífero e seus riscos, ao mesmo tempo em que se programa o projeto (ou se inicializa a exploração) foi recebido com ceticismo pelos técnicos especialistas e pelas autoridades municipais locais” [8]. O resultado foi catastrófico. Os moradores, agora mais indignados, em protesto[9], cerram registros e colocam cadeados nos equipamentos. Autoridades e técnicos desfilam na área sem apresentar soluções. Setores da imprensa divulgam que a obra foi feita fora das regras e das leis. Engenheiros da Sanepar confessam ao jornal Folha de Londrina que: “Os poços são pouco estudados e não temos como avaliar o seu comportamento quando a Sanepar começar a tirar água em grande quantidade". A Sanepar defende-se alegando que os poços são experimentais. Poços milionários.
Sob pressão a Sanepar recua e reduz a teimosa retirada de água. O Juiz Paulo B. Tourinho embarga pela terceira vez a obra, proibindo novos poços, em junho de 97. Nesta semana que passou, temos noticias que por iniciativa da prefeita de Colombo (Sra. Izabeti Pavin) uma nova liminar foi concedida pela justiça em favor da comunidade e a justiça embarga a obra pela quarta vez. O Governo do Estado e a Sanepar, insistem em continuar a exploração a despeito da falta de soluções objetivas demonstrando desconsideração social, política e ambiental. Chamam, como agravante, moradores prejudicados de Colombo e que defendem seus interesses e segurança de suas propriedades, para depor na policia como vândalos. Agricultores irritam-se ainda mais com esta atitude.
Quatro liminares não foram suficientes para sensibilizar o governo e a Sanepar. Os deputados Estaduais Ricardo Chab e Neivo Beraldin pedem explicações ao governo.
O Governo do Paraná (Jaime Lerner) investe na mídia em busca de opinião pública favorável ao seu intento. Enfim, dezoito milhões de dólares foram gastos com a obra "experimental" que custaria inicialmente meio milhão, e isto precisa de justificativa. A Sanepar, por sua vez, faz chantagem dizendo que poucos agricultores impedem o fornecimento água a mais de 150.000 pessoas. O sistema experimental confunde-se assim com sistema em operação econômica. A Sanepar, propositadamente, não diz que estas áreas urbanas eram abastecidas anteriormente pelos mananciais do Alto Iguaçu e que podem ser reabastecidas, com eficiência, por este meio. Omite-se, o fato importante, de que a rede norte não foi incrementada de 150.000 novas ligações e que, portanto, elas tinham água no passado oriundas do Alto-Iguaçu. Omite-se que técnicos da Sanepar confessaram à imprensa que, temporariamente, os moradores de Colombo estariam sendo abastecido com água do sistema integrado de Curitiba·, o que nos mostra que a situação era e é reversível. Omite-se ainda a instalação da fabrica da Renault e Audi em áreas de manancial do Alto Iguaçu comprometendo a curto e longo prazo o abastecimento da região com riscos iminentes[10]. Em matéria assinada, por Fernanda Verdicchio datada de março de 96, afirmava-se, a título de propaganda, talvez, que a Renault será a maior consumidora individual de água no Paraná consumindo mais que a cidade de Apucarana com 140.000 habitantes. Naquele artigo afirma-se que a nova fabrica que esta absurdamente localizada sobre os mananciais do Alto Iguaçu, região de onde se origina a água de Colombo, Almirante Tamandaré, e Curitiba consumirá 440 litros por segundo. Volume maior que a capacidade da represa do Iraí (400 l/s), e maior que a conseguida até agora na exploração do aqüífero Karst.
Segundo a Sanepar as obras necessárias para o abastecimento da fábrica Renault necessitam de cerca de 10. 000. 000 00 (dez milhões) de Reais. A água que a fabrica vai beber ninguém poderá beber. Não estaríamos eu pergunto, então, substituído às pressas, a antiga demanda da região pela águas subterrâneas, em favor do consumo industrial da fábrica Renault?
O governo insiste, inexplicavelmente, em manter o ritmo do programa.
Em 14/07/97 o Jornal a Gazeta do Povo divulga que o RIMA estava entrando em processo de licitação, ou seja, que naquela data ainda não existia,... o RIMA, ora, quem esta mentindo? (matéria titulada "Começa em Agosto o Uso do Aqüífero). Vê-se que nem o Rima, nem os prazos de operação, são de conhecimento publico ou das autoridades.
A Promotoria do Meio Ambiente levanta objeções quanto à competência do IAP em licenciar a obra. A lei 9.433 de oito de janeiro de 1997 ainda não estas regulamentada. Pede assim que o IBAMA assuma o licenciamento atualmente sob responsabilidade do Instituto Ambiental do Paraná. Segundo o promotor de justiça Edson Luiz Peters a promotoria tem em mão dois processos administrativos com reclamações sobre a abertura dos poços e exploração do aqüífero além da reclamação de moradores de Colombo e região próxima sobre problemas com o abastecimento de água para consumo próprio e atividades produtivas. Para o promotor, o governo do estado não pode se autolicenciar e tanto o IAP como a Sanepar são órgãos estaduais. Como se trata de água subterrânea, diz ele, e o subsolo é propriedade da União, somente um órgão federal, no caso o IBAMA poderia fornecer o licenciamento. Segundo o entendimento da Promotoria na imprensa a Sanepar não esta tendo preocupação efetiva com os aspectos sociais e ambientais da exploração. Tal fato se deduz da afirmação dos técnicos da Sanepar que dizem ter sido escolhida a região de “Águas Fervidas” por ser a mais barata, ou seja, a de maior viabilidade econômica. Este foi o verdadeiro critério da escolha. (Nós perguntamos, não tem isto algo velado relacionado com o processo de privatização da empresa?)
Quanto ao Eia - Rima (Estudo prévio de Impacto Ambiental) o promotor alerta que há aí, neste fato, outra irregularidade. "o estudo (que deveria ser público e antecipando a obra) só foi apresentado depois que o empreendimento já havia começado e mesmo assim, porque nós solicitamos", diz Peters.
Deste modo, diante de tantas evidências de irregularidades, danos e conflitos, venho a esta tribuna, denunciar aos meus pares, em defesa dos paranaenses, e solicitar uma audiência pública, onde a Comissão de Meio Ambiente, nesta casa do Congresso, possa ouvir dos técnicos, dos moradores, dos juizes, das autoridades e jornalistas (nomes apensados em anexo) as graves e reais razões oriundas desta milionária obra, causadora de tantos problemas sociais e ambientais, e que, a nosso ver, se bem apurados os fatos, poderá servir de veículo e base de futura legislação ou regulamentação federal, específica à exploração de águas subterrâneas, e que, acredito, na devida oportunidade haverá de servir a todos os outros estados da federação, visto que, iniciam-se em todo o país, projetos cada vez mais ambiciosos de exploração de águas subterrâneas.
Maurício Requião
Deputado Federal (PMDB)
[1] Jornal Gazeta do Povo, junho de 1993, matéria intitulada: "Aqüífero provoca interdição de Igreja".
[2] Jornal Gazeta do Paraná 16/04/97
[3] Jornal Folha de Londrina 24 de novembro de 1995.
[4] Jornal folha de Londrina 23 de março de 1996.
[5] Jornal do Estado de 18 julhos de 1997.
[6] Jornal do Estado 18 de julho de 1997.
[7] Jornal do Estado 23 de abril de 1997.
[8] Relatório do Geólogo Eduardo Salamuni e Teresa Urban, à pag. 3.
[9] Jornal do Estado e Gazeta do Povo de 18 de julho de 1997.
[10] Relatório Auditoria Ambiental Autônoma, sob responsabilidade de Teresa Urban (Jornalista e ambientalista) e Eduardo Salamuni (geólogo)
Pesquisa e Texto; Wallace Requião de Mello e Silva ( Secretário Parlamentar) para Mauricio Requião.
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