Revolução e Contra-Revolução
Plinio Corrêa
de Oliveira
“Catolicismo” dá a lume, hoje
,
seu centésimo número, e quer assinalar o fato marcando a presente edição com
uma nota especial, que propicie um aprofundamento da comunicação de alma, já
tão grande, que tem com seus leitores.
Para isso, nada lhe pareceu mais oportuno do que a
publicação de um artigo sobre o tema Revolução
e Contra-Revolução.
É fácil explicar a escolha do assunto. “Catolicismo” é um
jornal combativo. Como tal, deve ser julgado principalmente em função do fim
que seu combate tem em vista. Ora, a quem, precisamente, quer ele combater? A
leitura de suas páginas produz a este respeito uma impressão talvez pouco
definida. É freqüente encontrar, nelas, refutações do comunismo, do socialismo,
do totalitarismo, do liberalismo, do liturgicismo, do maritainismo, e de outros tantos “ismos”. Contudo, não se diria que
temos tão mais em vista um deles, que por aí nos pudéssemos definir. Por
exemplo, haveria exagero em afirmar que “Catolicismo” é uma folha
especificamente antiprotestante ou anti-socialista. Dir-se-ia, então, que o
jornal tem uma pluralidade de fins. Entretanto, percebe-se que, na perspectiva
em que ele se coloca, todos estes pontos de mira têm como que um denominador
comum, e que é este o objetivo sempre visado por nossa folha.
O que é esse denominador comum? Uma doutrina? Uma força? Uma
corrente de opinião? Bem se vê que uma elucidação a respeito ajuda a
compreender até suas profundezas toda a obra de formação doutrinária que “Catolicismo”
veio realizando ao longo destes cem meses.
* * *
O estudo da Revolução e da Contra-Revolução excede de muito,
em proveito, este objetivo limitado.
Para demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama
religioso de nosso País. Estatisticamente, a situação dos católicos é
excelente: segundo os últimos dados oficiais constituímos 94% da população. Se
todos os católicos fôssemos o que devemos ser, o Brasil seria hoje uma das mais
admiráveis potências católicas nascidas ao longo dos vinte séculos de vida da
Igreja.
Por que, então, estamos tão longe deste ideal? Quem poderia
afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o
protestantismo, o ateísmo, ou o comunismo? Não. Ela é outra, impalpável, sutil,
penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe
sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência.
Ao fazer esta afirmação, nosso pensamento se estende das
fronteiras do Brasil para as nações hispano-americanas, nossas tão caras irmãs,
e daí para todas as nações católicas. Em todas, exerce seu império indefinido e
avassalador o mesmo mal. E em todas produz sintomas de uma grandeza trágica. Um
exemplo entre outros. Em carta dirigida em 1956, a propósito do Dia Nacional de
Ação de Graças, a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos
Motta, Arcebispo de S. Paulo, o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell'Acqua,
Substituto da Secretaria de Estado, dizia que “em conseqüência do agnosticismo religioso dos Estados”, ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade
moderna o sentir da Igreja”. Ora, que inimigo desferiu contra a Esposa de
Cristo este golpe terrível? Qual a causa comum a este e a tantos outros males
concomitantes e afins? Com que nome chamá-la? Quais os meios por que ela age?
Qual o segredo de sua vitória? Como combatê-la com êxito?
Como se vê, dificilmente um tema poderia ser de mais
flagrante atualidade.
* * *
Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução.
Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não
diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga
aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções
da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo
.
O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à
afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e
principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto
igualitário da Revolução.
A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras.
Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja
divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.
Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter
metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na
utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente
evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem
autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse
qualquer desigualdade.
A Pseudo-Reforma foi uma primeira Revolução. Ela implantou o
espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em
medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem.
Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do
igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo,
especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de
que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a
liberdade o bem supremo.
O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo
social e econômico.
Estas três revoluções são episódios de uma só Revolução,
dentro da qual o socialismo, o liturgicismo, a “
politique de la main tendue”, etc., são etapas de transição ou
manifestações atenuadas. Sobre os erros através dos quais se opera a penetração
larvada do espírito da Revolução em ambientes católicos, o Exmo. Revmo. Sr. D.
Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, publicou uma Carta Pastoral da maior
importância
.
* * *
Claro está que um processo de tanta profundidade, de tal
envergadura e tão longa duração não pode desenvolver-se sem abranger todos os
domínios da atividade do homem, como por exemplo a cultura, a arte, as leis, os
costumes e as instituições.
Um estudo pormenorizado deste processo em todos os campos em
que se vem desenrolando, excederia de muito o âmbito deste artigo.
Nele procuramos - limitando-nos a um veio apenas
deste vasto assunto - traçar de modo sumário os contornos da imensa avalancha
que é a Revolução, dar-lhe o nome adequado, indicar muito sucintamente suas
causas profundas, os agentes que a promovem, os elementos essenciais de sua
doutrina, a importância respectiva dos vários terrenos em que ela age, o vigor
de seu dinamismo, o “mecanismo” de sua expansão. Simetricamente, tratamos
depois de pontos análogos referentes à Contra-Revolução, e estudamos algumas
das suas condições de vitória.
Ainda assim, não pudemos explanar, de cada um destes temas,
senão as partes que nos pareceram mais úteis, no momento, para esclarecer
nossos leitores e facilitar-lhes a luta contra a Revolução. E tivemos de deixar
de lado muitos pontos de uma importância realmente capital, mas de atualidade
menos premente.
O presente trabalho, como dissemos, constitui um simples
conjunto de teses, através das quais melhor se pode conhecer o espírito e o
programa de “Catolicismo”. Exorbitaria ele de suas proporções naturais, se
contivesse uma demonstração cabal de cada afirmação. Cingimo-nos tão somente a
desenvolver o mínimo de argumentação necessário para pôr em evidência o nexo
existente entre as várias teses, e a visão panorâmica de toda uma vertente de
nossas posições doutrinárias.
Tendo “Catolicismo” leitores em quase todo o Ocidente, pareceu
conveniente publicar uma tradução deste trabalho, em separata. Preferimos o
francês, já consagrado pela tradição diplomática, por ser o idioma de país
católico mais universalmente conhecido.
Este artigo pode servir de inquérito. O que, no Brasil e fora
dele, pensa exatamente sobre a Revolução e a Contra-Revolução o público que lê
“Catolicismo”, que é certamente dos mais infensos à Revolução? Nossas
proposições, embora abrangendo apenas uma parte do tema, podem dar ocasião a
que cada um se interrogue, e nos envie sua resposta, que com todo o interesse
acolheremos.
As muitas crises que abalam o mundo hodierno - do Estado, da
família, da economia, da cultura, etc. - não constituem senão múltiplos
aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio
homem. Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais
profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do homem
contemporâneo e todas as suas atividades.
Essa crise é principalmente a do homem ocidental e cristão,
isto é, do europeu e de seus descendentes, o americano e o australiano. E é
enquanto tal que mais particularmente a estudaremos. Ela afeta também os outros
povos, na medida em que a estes se estende e neles criou raiz o mundo
ocidental. Nesses povos tal crise se complica com os problemas próprios às
respectivas culturas e civilizações e ao choque entre estas e os elementos positivos
ou negativos da cultura e da civilização ocidentais.
Por mais profundos que sejam os fatores de diversificação
dessa crise nos vários países hodiernos, ela conserva, sempre, cinco caracteres
capitais:
Essa crise é universal. Não há hoje povo que não esteja
atingido por ela, em grau maior ou menor.
Essa crise é una. Isto é, não se trata de um conjunto de
crises que se desenvolvem paralela e autonomamente em cada país, ligadas entre
si por algumas analogias mais ou menos relevantes.
Quando ocorre um incêndio numa floresta, não é possível
considerar o fenômeno como se fosse mil incêndios autônomos e paralelos, de mil
árvores vizinhas umas das outras. A unidade do fenômeno “combustão”, exercendo-se
sobre a unidade viva que é a floresta, e a circunstância de que a grande força
de expansão das chamas resulta de um calor no qual se fundem e se multiplicam
as incontáveis chamas das diversas árvores, tudo, enfim, contribui para que o
incêndio da floresta seja um fato único, englobando numa realidade total os mil
incêndios parciais, por mais diferentes, aliás, que cada um destes seja em seus
acidentes.
A Cristandade ocidental constituiu um só todo, que
transcendia os vários países cristãos, sem os absorver. Nessa unidade viva se
operou uma crise que acabou por atingi-la toda inteira, pelo calor somado e,
mais do que isto, fundido, das sempre mais numerosas crises locais que há
séculos se vêm interpenetrando e entreajudando ininterruptamente. Em conseqüência,
a Cristandade, enquanto família de Estados oficialmente católicos, de há muito
cessou de existir. Dela restam como vestígios os povos ocidentais e cristãos. E
todos se encontram presentemente em agonia, sob a ação deste mesmo mal.
Considerada em um dado país, essa crise se desenvolve numa
zona de problemas tão profunda, que ela se prolonga ou se desdobra, pela
própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da
cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem.
Encarados superficialmente, os acontecimentos dos nossos
dias parecem um emaranhado caótico e inextricável, e de fato o são de muitos
pontos de vista.
Entretanto, podem-se discernir resultantes, profundamente
coerentes e vigorosas, da conjunção de tantas forças desvairadas, desde que
estas sejam consideradas do ângulo da grande crise de que tratamos.
Com efeito, ao impulso dessas forças em delírio, as nações
ocidentais vão sendo gradualmente impelidas para um estado de coisas que se vai
delineando igual em todas elas, e diametralmente oposto à civilização cristã.
De onde se vê que essa crise é como uma rainha a que todas
as forças do caos servem como instrumentos eficientes e dóceis.
Essa crise não é um fato espetacular e isolado. Ela
constitui, pelo contrário, um processo crítico já cinco vezes secular, um longo
sistema de causas e efeitos que, tendo nascido, em momento dado, com grande
intensidade, nas zonas mais profundas da alma e da cultura do homem ocidental,
vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões. A
este processo bem se podem aplicar as palavras de Pio XII a respeito de um
sutil e misterioso “inimigo” da Igreja: “
Ele
se encontra em todo lugar e no meio de todos: sabe ser violento e astuto.
Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral,
social, da unidade no organismo misterioso de Cristo. Ele quis a natureza sem a
graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes a autoridade
sem a liberdade. É um “inimigo” que se tornou cada vez mais concreto, com uma
ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois:
Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus
jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo
sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela
ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito sem Deus,
uma política sem Deus”
.
Este processo não deve ser visto como uma seqüência toda
fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Já em
seu início possuía esta crise as energias necessárias para reduzir a atos todas
as suas potencialidades, que em nossos dias conserva bastante vivas para causar
por meio de supremas convulsões as destruições últimas que são seu termo
lógico.
Influenciada e condicionada em sentidos diversos, por
fatores extrínsecos de toda ordem - culturais, sociais, econômicos, étnicos,
geográficos e outros - e seguindo por vezes caminhos bem sinuosos, vai ela no
entanto progredindo incessantemente para seu trágico fim.
Já esboçamos na Introdução os grandes traços deste processo.
É oportuno acrescentar aqui alguns pormenores.
No século XIV começa a observar-se, na Europa cristã, uma
transformação de mentalidade que ao longo do século XV cresce cada vez mais em
nitidez. O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em ânsia. As
diversões se vão tornando mais freqüentes e mais suntuosas. Os homens se
preocupam sempre mais com elas. Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na
literatura e na arte o anelo crescente por uma vida cheia de deleites da
fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações de
sensualidade e moleza. Há um paulatino deperecimento da seriedade e da
austeridade dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao festivo.
Os corações se desprendem gradualmente do amor ao sacrifício, da verdadeira
devoção à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna. A Cavalaria,
outrora uma das mais altas expressões da austeridade cristã se torna amorosa e
sentimental, a literatura de amor invade todos os países, os excessos do luxo e
a conseqüente avidez de lucros se estendem por todas as classes sociais.
Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais,
produziu claras manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas
aparatosas e vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de
erudição, e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a
Escolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé,
renasciam em aspectos novos. O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com
um conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes ambiciosos um
eco favorável. E “pari passu” foi-se
extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra de outrora para conter o poder
real nos legítimos limites vigentes nos dias de São Luís de França e São
Fernando de Castela.
Este novo estado de alma continha um desejo possante, se bem
que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de coisas fundamentalmente diversa
da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII.
A admiração exagerada, e não raro delirante, pelo mundo
antigo, serviu como meio de expressão a esse desejo. Procurando muitas vezes
não colidir de frente com a velha tradição medieval, o Humanismo e a Renascença
tenderam a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores morais da Religião, a
um segundo plano. O tipo humano, inspirado nos moralistas pagãos, que aqueles
movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a cultura e a
civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos precursores do
homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da cultura e da
civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo. Os esforços por
uma Renascença cristã não lograram esmagar em seu germe os fatores de que
resultou o triunfo paulatino do neopaganismo.
Em algumas partes da Europa, este se desenvolveu sem levar à
apostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. E mesmo quando ele
se instalava nas almas, não lhes ousava pedir - de início pelo menos - uma
formal ruptura com a Fé.
Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a
Igreja. O orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida
pagã, suscitaram o protestantismo.
O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame,
à interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição contra a
autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela negação do caráter
monárquico da Igreja Universal, isto é, pela revolta contra o Papado. Algumas,
mais radicais, negaram também o que se poderia chamar a alta aristocracia da
Igreja, ou seja, os Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio
sacerdócio hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor
verdadeiro do poder sacerdotal.
No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo
se afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução do
divórcio.
A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre os
católicos não cessou de se dilatar numa crescente cadeia de conseqüências, em
toda a França. Favorecida pelo enfraquecimento da piedade dos fiéis -
ocasionado pelo jansenismo e pelos outros fermentos que o protestantismo do
século XVI desgraçadamente deixara no Reino Cristianíssimo - tal ação teve por
efeito no século XVIII uma dissolução quase geral dos costumes, um modo frívolo
e brilhante de considerar as coisas, um endeusamento da vida terrena, que
preparou o campo para a vitória gradual da irreligião. Dúvidas em relação à
Igreja, negação da divindade de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as
etapas dessa apostasia.
Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e do
neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma obra de todo em
todo simétrica à da Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela, antes de
naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da
França ao espírito do protestantismo. E a obra política da Revolução Francesa
não foi senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma” que as
seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização
eclesiástica:
- Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;
- Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da
“plebe” eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a “aristocracia” da Igreja,
isto é, o Clero;
- Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de
certas seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis.
No protestantismo nasceram algumas seitas que, transpondo
diretamente suas tendências religiosas para o campo político, prepararam o
advento do espírito republicano. São Francisco de Sales, no século XVII,
premuniu contra estas tendências republicanas o Duque de Sabóia
.
Outras, indo mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas
em todo o sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas.
Da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de
Babeuf. E mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam
as escolas do comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de
Marx.
E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o
ateísmo. A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio,
tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda superioridade,
haveria de investir contra a última desigualdade, isto é, a de fortunas. E
assim, ébrio de sonhos de República Universal, de supressão de toda autoridade
eclesiástica ou civil, de abolição de qualquer Igreja e, depois de uma ditadura
operária de transição, também do próprio Estado, aí está o neobárbaro do século
XX, produto mais recente e mais extremado do processo revolucionário.
A fim de evitar qualquer equívoco, convém acentuar que esta
exposição não contém a afirmação de que a república é um regime político
necessariamente revolucionário. Leão XIII deixou claro, ao falar das diversas
formas de governo, que “
cada uma delas é
boa, desde que saiba caminhar retamente para seu fim, a saber, o bem comum,
para o qual a autoridade social é constituída”.
Taxamos de revolucionária, isto sim, a hostilidade
professada, por princípio, contra a monarquia e a aristocracia, como sendo
formas essencialmente incompatíveis com a dignidade humana e a ordem normal das
coisas. É o erro condenado por São Pio X na Carta Apostólica “
Notre Charge Apostolique”, de 25 de
agosto de 1910. Nela censura o grande e santo Pontífice a tese do “Sillon”, de
que “
só a democracia inaugurará o reino
da perfeita justiça”, e exclama
: “Não
é isto uma injúria às outras formas de governo, que são rebaixadas, por esse
modo, à categoria de governos impotentes, aceitáveis à falta de melhor?”
.
Ora, sem este erro,
inviscerado no processo de que falamos, não se explica inteiramente que a
monarquia, qualificada pelo Papa Pio VI como sendo em tese a melhor forma de
governo -
praestantioris monarchici
regiminis forma
-, tenha sido objeto, nos séculos XIX e XX, de um movimento mundial de
hostilidade que deu por terra com os tronos e as dinastias mais veneráveis. A
produção em série de repúblicas para o mundo inteiro é, a nosso ver, um fruto
típico da Revolução, e um aspecto capital dela.
Não pode ser taxado de revolucionário quem para sua Pátria,
por razões concretas e locais, ressalvados sempre os direitos da autoridade
legítima, prefere a democracia à aristocracia ou à monarquia. Mas sim quem,
levado pelo espírito igualitário da Revolução, odeia em princípio, e qualifica
de injusta ou inumana por essência, a aristocracia ou a monarquia.
Desse ódio antimonárquico e antiaristocrático, nascem as
democracias demagógicas, que combatem a tradição, perseguem as elites, degradam
o tônus geral da vida, e criam um
ambiente de vulgaridade que constitui como que a nota dominante da cultura e da
civilização, ... se é que os conceitos de civilização e de cultura se podem
realizar em tais condições.
Como diverge desta democracia revolucionária a democracia
descrita por Pio XII: “Segundo o
testemunho da História, onde reina uma verdadeira democracia, a vida do povo
está como que impregnada de sãs tradições, que é ilícito abater. Representantes
dessas tradições são, antes de tudo, as classes dirigentes, ou seja, os grupos
de homens e mulheres ou as associações, que dão, como se costuma dizer, o tom
na aldeia e na cidade, na região e no país inteiro.
“Daqui, em todos os
povos civilizados, a existência e o influxo de instituições eminentemente
aristocráticas, no sentido mais elevado da palavra, como são algumas academias
de larga e bem merecida fama. Pertence a este número também a nobreza”
.
Como se vê, o espírito da democracia revolucionária é bem diverso daquele que
deve animar uma democracia conforme a doutrina da Igreja.
As presentes considerações sobre a posição da Revolução e do
pensamento católico em face das formas de governo suscitarão em vários leitores
uma interrogação: a ditadura é um fator de Revolução, ou de Contra-Revolução?
Para responder com clareza a uma pergunta a que têm sido
dadas tantas soluções confusas e até tendenciosas, é necessário estabelecer uma
distinção entre certos elementos que se emaranham desordenadamente na idéia de
ditadura, como a opinião pública a conceitua. Confundindo a ditadura em tese
com o que ela tem sido in concreto em
nosso século, o público entende por ditadura um estado de coisas em que um
chefe dotado de poderes irrestritos governa um país. Para o bem deste, dizem
uns. Para o mal, dizem outros. Mas em um e outro caso, tal estado de coisas é
sempre uma ditadura.
Ora, este conceito envolve dois elementos distintos:
- onipotência do Estado;
- concentração do poder estatal em uma só pessoa.
No espírito público, parece que o segundo elemento chama
mais a atenção. Entretanto, o elemento básico é o primeiro, pelo menos se
entendermos por ditadura um estado de coisas em que o Poder público, suspensa
qualquer ordem jurídica, dispõe a seu talante de todos os direitos. Que uma ditadura
possa ser exercida por um Rei (a ditadura real, isto é, a suspensão de toda a
ordem jurídica e o exercício irrestrito do poder público pelo Rei, não se
confunde com o Ancien Régime, em que
estas garantias existiam em considerável medida, e muito menos com a monarquia
orgânica medieval) ou um chefe popular, uma aristocracia hereditária ou um clã
de banqueiros, ou até pela massa, é inteiramente evidente.
Em si, uma ditadura exercida por um chefe ou um grupo de
pessoas não é revolucionária nem contra-revolucionária. Ela será uma ou outra
coisa em função das circunstâncias de que se originou, e da obra que realizar.
E isto, quer esteja em mãos de um homem, quer de um grupo.
Há circunstâncias que exigem, para a salus populi, uma suspensão provisória de todos os direitos
individuais, e o exercício mais amplo do poder público. A ditadura pode,
portanto, ser legítima em certos casos.
Uma ditadura contra-revolucionária e, pois, inteiramente
norteada pelo desejo de Ordem, deve apresentar três requisitos essenciais:
* Deve suspender os direitos, não para subverter a Ordem,
mas para a proteger. E por Ordem não entendemos apenas a tranqüilidade
material, mas a disposição das coisas segundo seu fim, e de acordo com a
respectiva escala de valores. Há, pois, uma suspensão de direitos mais aparente
do que real, o sacrifício das garantias jurídicas de que os maus elementos
abusavam em detrimento da própria ordem e do bem comum, sacrifício este todo
voltado para a proteção dos verdadeiros direitos dos bons.
* Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve
preparar as circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à
normalidade. A ditadura, na medida em que é boa, vai fazendo cessar sua própria
razão de ser. A intervenção do Poder público nos vários setores da vida
nacional deve fazer-se de maneira que, o mais breve possível, cada setor possa
viver com a necessária autonomia. Assim, cada família deve poder fazer tudo
aquilo de que por sua natureza é capaz, sendo apoiada apenas subsidiariamente
por grupos sociais superiores naquilo que ultrapasse o seu âmbito. Esses
grupos, por sua vez, só devem receber o apoio do município no que excede à
normal capacidade deles, e assim por diante nas relações entre o município e a
região, ou entre esta e o país.
* O fim precípuo da ditadura legítima hoje em dia deve ser a
Contra-Revolução. O que, aliás, não implica em afirmar que a ditadura seja
normalmente um meio necessário para a derrota da Revolução. Mas em certas
circunstâncias pode ser.
Pelo contrário, a ditadura revolucionária visa eternizar-se,
viola os direitos autênticos, e penetra em todas as esferas da sociedade para
as aniquilar, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites
genuínas, subvertendo a hierarquia social, alimentando de utopias e de
aspirações desordenadas a multidão, extinguindo a vida real dos grupos sociais
e sujeitando tudo ao Estado: em uma palavra, favorecendo a obra da Revolução.
Exemplo típico de tal ditadura foi o hitlerismo.
Por isto, a ditadura revolucionária é fundamentalmente
anticatólica. Com efeito, em um ambiente verdadeiramente católico, não pode
haver clima para uma tal situação.
O que não quer dizer que a ditadura revolucionária, neste ou
naquele país, não tenha procurado favorecer a Igreja. Mas trata-se de atitude meramente
política, que se transforma em perseguição franca ou velada, logo que a
autoridade eclesiástica comece a deter o passo à Revolução.
Como se depreende da análise feita no capítulo anterior, o
processo revolucionário é o desenvolvimento, por etapas, de certas tendências
desregradas do homem ocidental e cristão, e dos erros delas nascidos.
Em cada etapa, essas tendências e erros têm um aspecto
próprio. A Revolução vai, pois, se metamorfoseando ao longo da História.
Essas metamorfoses que se observam nas grandes linhas gerais
da Revolução, se repetem, em ponto menor, no interior de cada grande episódio
dela.
Assim, o espírito da Revolução Francesa, em sua primeira
fase, usou máscara e linguagem aristocrática e até eclesiástica. Freqüentou a
corte e sentou-se à mesa do Conselho do Rei.
Depois, tornou-se burguês e trabalhou pela extinção
incruenta da monarquia e da nobreza, e por uma velada e pacífica supressão da
Igreja Católica.
Logo que pôde, fez-se jacobino, e se embriagou de sangue no
Terror.
Mas os excessos praticados pela facção jacobina despertaram
reações. Ele voltou atrás, percorrendo as mesmas etapas. De jacobino
transformou-se em burguês no Diretório, com Napoleão estendeu a mão à Igreja e
abriu as portas à nobreza exilada, e, por fim, aplaudiu a volta dos Bourbons.
Terminada a Revolução Francesa, não termina com isto o processo revolucionário.
Ei-lo que torna a explodir com a queda de Carlos X e a ascensão de Luís Felipe,
e assim por sucessivas metamorfoses, aproveitando seus sucessos e mesmo seus
insucessos, chegou ele até o paroxismo de nossos dias.
A Revolução usa, pois, suas metamorfoses não só para
avançar, como também para operar os recuos táticos que tão freqüentemente lhe
têm sido necessários.
Por vezes, movimento sempre vivo, ela tem simulado estar
morta. E é esta uma de suas metamorfoses mais interessantes. Na aparência, a
situação de um determinado país se apresenta como inteiramente tranqüila. A
reação contra-revolucionária se distende e adormece. Mas, nas profundidades da
vida religiosa, cultural, social, ou econômica, a fermentação revolucionária
vai sempre ganhando terreno. E, ao cabo desse aparente interstício, explode uma
convulsão inesperada, freqüentemente maior que as anteriores.
Como vimos, essa Revolução é um processo feito de etapas, e
tem sua origem última em determinadas tendências desordenadas que lhe servem de
alma e de força propulsora mais íntima
.
Assim, podemos também distinguir na Revolução três
profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram.
A primeira, isto é, a mais profunda, consiste em uma crise
nas tendências. Essas tendências desordenadas, que por sua própria natureza
lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que
lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as
expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto -
habitualmente, pelo menos - nas idéias.
Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno
ideológico. Com efeito - como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre obra
Le Démon de Midi - “
cumpre viver como se pensa, sob pena de,
mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”
.
Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas
eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um
modus vivendi com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com
estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta
declarada.
Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao
terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a
transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera
religiosa quanto na sociedade temporal. É uma terceira crise, já toda ela na
ordem dos fatos.
Essas profundidades são, de algum modo, escalonadas. Mas uma
análise atenta evidencia que as operações que a Revolução nelas realiza de tal
modo se interpenetram no tempo, que essas diversas profundidades não podem ser vistas
como outras tantas unidades cronológicas distintas.
Essas três profundidades nem sempre se diferenciam
nitidamente umas das outras. O grau de nitidez varia muito de um caso concreto
a outro.
O caminhar de um povo através dessas várias profundidades
não é incoercível, de tal maneira que, dado o primeiro passo, ele chegue
necessariamente até o último, e resvale para a profundidade seguinte. Pelo
contrário, o livre arbítrio humano, coadjuvado pela graça, pode vencer qualquer
crise, como pode deter e vencer a própria Revolução.
Descrevendo esses aspectos, fazemos como um médico que
descreve a evolução completa de uma doença até a morte, sem pretender com isto
que a doença seja incurável.
As considerações anteriores já nos forneceram alguns dados sobre a marcha da Revolução,
isto é, seu caráter processivo, as metamorfoses por que ela passa, sua irrupção
no mais recôndito do homem, e sua exteriorização em atos. Como se vê, há toda
uma dinâmica própria à Revolução. Disto podemos ter melhor idéia estudando
ainda outros aspectos da marcha da Revolução.
A mais possante força propulsora da Revolução está nas
tendências desordenadas.
E por isto a Revolução tem sido comparada a um tufão, a um
terremoto, a um ciclone. É que as forças naturais desencadeadas são imagens
materiais das paixões desenfreadas do homem.
Como os cataclismos, as más paixões têm uma força imensa,
mas para destruir.
Essa força já tem potencialmente, no primeiro instante de
suas grandes explosões, toda a virulência que se patenteará mais tarde nos seus
piores excessos. Nas primeiras negações do protestantismo, por exemplo, já
estavam implícitos os anelos anarquistas do comunismo. Se, do ponto de vista da
formulação explícita, Lutero não era senão Lutero, todas as tendências, todo o estado
de alma, todos os imponderáveis da explosão luterana já traziam consigo, de
modo autêntico e pleno, embora implícito, o espírito de Voltaire e de
Robespierre, de Marx e de Lenine
.
Essas tendências desordenadas se desenvolvem como os
pruridos e os vícios, isto é, à medida mesmo que se satisfazem, crescem em
intensidade. As tendências produzem crises morais, doutrinas errôneas, e depois
revoluções. Umas e outras, por sua vez, exacerbam as tendências. Estas últimas
levam em seguida, e por um movimento análogo, a novas crises, novos erros,
novas revoluções. É o que explica que nos encontremos hoje em tal paroxismo da
impiedade e da imoralidade, bem como em tal abismo de desordens e discórdias.
Considerando a existência de períodos de uma calmaria
acentuada, dir-se-ia que neles a Revolução cessou. E assim parece que o
processo revolucionário é descontínuo, e portanto não é uno.
Ora, essas calmarias são meras metamorfoses da Revolução. Os
períodos de tranqüilidade aparente, supostos interstícios, têm sido em geral de
fermentação revolucionária surda e profunda. Haja vista o período da
Restauração (1815-1830)
.
Pelo que vimos
se explica que cada etapa da Revolução, comparada com a anterior, não seja
senão um requinte. O humanismo naturalista e o protestantismo se requintaram na
Revolução Francesa, a qual, por sua vez, se requintou no grande processo
revolucionário de bolchevização do mundo hodierno.
É que as paixões desordenadas, indo num crescendo análogo ao
que produz a aceleração na lei da gravidade, e alimentando-se de suas próprias
obras, acarretam conseqüências que, por sua vez, se desenvolvem segundo
intensidade proporcional. E, na mesma progressão, os erros geram erros, e as
revoluções abrem caminho umas para as outras.
Esse processo revolucionário se dá em duas velocidades
diversas. Uma, rápida, é destinada geralmente ao fracasso no plano imediato. A
outra tem sido habitualmente coroada de êxito, e é muito mais lenta.
Os movimentos pré-comunistas dos anabatistas, por exemplo,
tiraram imediatamente, em vários campos, todas ou quase todas as conseqüências
do espírito e das tendências da Pseudo-Reforma: fracassaram.
Lentamente, ao longo de mais de quatro séculos, as correntes
mais moderadas do protestantismo, caminhando de requinte em requinte, por
etapas de dinamismo e de inércia sucessivas, vão entretanto favorecendo
paulatinamente, de um ou de outro modo, a marcha do Ocidente para o mesmo ponto
extremo
.
Cumpre estudar o papel de cada uma dessas velocidades na
marcha da Revolução. Dir-se-ia que os movimentos mais velozes são inúteis.
Porém, não é verdade. A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria
um ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e
para o qual estes se vão lentamente encaminhando. Assim, o socialismo repudia o
comunismo mas o admira em silêncio e tende para ele. Mais remotamente o mesmo
se poderia dizer do comunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da
Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade vai seguindo o
caminho para onde eles a quiseram levar. O fracasso dos extremistas é, pois,
apenas aparente. Eles colaboram indireta, mas possantemente, para a Revolução,
atraindo paulatinamente para a realização de seus culposos e exacerbados
devaneios a multidão incontável dos “prudentes”, dos “moderados”, e dos
medíocres.
Vistas estas noções, apresenta-se a ocasião para desfazer
algumas objeções que, antes disto, não poderiam ser adequadamente analisadas.
O que distingue o revolucionário que seguiu o ritmo da
marcha rápida, de quem se vai paulatinamente tornando tal segundo o ritmo da
marcha lenta, está em que, quando o processo revolucionário teve início no
primeiro, encontrou resistências nulas, ou quase nulas. A virtude e a verdade
viviam nessa alma de uma vida de superfície. Eram como madeira seca, que
qualquer fagulha pode incendiar. Pelo contrário, quando esse processo se opera
lentamente, é porque a fagulha da Revolução encontrou, ao menos em parte, lenha
verde. Em outros termos, encontrou muita verdade ou muita virtude que se mantêm
infensas à ação do espírito revolucionário. Uma alma em tal situação fica
bipartida, e vive de dois princípios opostos, o da Revolução e o da Ordem.
Da coexistência desses dois princípios, podem surgir
situações bem diversas:
* a. O revolucionário
de pequena velocidade: ele se deixa arrastar pela Revolução, à qual opõe
apenas a resistência da inércia.
* b. O revolucionário
de velocidade lenta, mas com “coágulos” contra-revolucionários. Também ele
se deixa arrastar pela Revolução. Mas em algum ponto concreto recusa-a. Assim,
por exemplo, será socialista em tudo, mas conservará o gosto das maneiras
aristocráticas. Conforme o caso, ele chegará até mesmo a atacar a vulgaridade
socialista. Trata-se de uma resistência, sem dúvida. Mas resistência em ponto
de pormenor, que não remonta aos princípios, toda feita de hábitos e
impressões. Resistência por isto mesmo sem maior alcance, que morrerá com o
indivíduo, e que, se se der num grupo social, cedo ou tarde, pela violência ou
pela persuasão, em uma geração ou algumas, a Revolução em seu curso inexorável
desmantelará.
* c.
O “semicontra-revolucionário” :
diferencia-se do anterior apenas pelo fato de que nele o processo de
“coagulação” foi mais enérgico, e remontou até a zona dos princípios básicos.
De alguns princípios, já se vê, e não de todos. Nele a reação contra a
Revolução é mais pertinaz, mais viva. Constitui um obstáculo que não é só de
inércia. Sua conversão a uma posição inteiramente contra-revolucionária é mais
fácil, pelo menos em tese. Um excesso qualquer da Revolução pode determinar
nele uma transformação cabal, uma cristalização de todas as tendências boas,
numa atitude de firmeza inabalável. Enquanto esta feliz transformação não se
der, o “semi-contra-revolucionário” não pode ser considerado um soldado da
Contra-Revolução.
É característica do conformismo do revolucionário de marcha
lenta, e do “semicontra-revolucionário”, a facilidade com que ambos aceitam as
conquistas da Revolução. Afirmando a tese da união da Igreja e do Estado, por
exemplo, vivem displicentemente no regime da hipótese, isto é, da separação,
sem tentar qualquer esforço sério para que se torne possível restaurar algum
dia em condições convenientes a união.
Uma objeção que se poderia fazer a nossas teses consistiria
em dizer que, se o movimento republicano universal é fruto do espírito
protestante, não se compreende como no mundo só haja atualmente um Rei
católico, e tantos países protestantes se conservem monárquicos.
A explicação é simples. A Inglaterra, a Holanda e as nações
nórdicas, por toda uma série de razões históricas, psicológicas, etc., são
muito afins com a monarquia. Penetrando nelas, a Revolução não conseguiu evitar
que o sentimento monárquico “coagulasse”. Assim, a realeza vem sobrevivendo
obstinadamente nesses países, apesar de neles a Revolução ir penetrando cada
vez mais a fundo em outros campos. “Sobrevivendo”..., sim, na medida em que
morrer aos poucos pode ser chamado sobreviver. Pois a monarquia inglesa
reduzida em larguíssima medida a um papel de aparato, e as demais realezas
protestantes transformadas para quase todos os efeitos em repúblicas cujo chefe
é vitalício e hereditário, vão agonizando suavemente, e, a continuarem assim as
coisas, se extinguirão sem ruído.
Sem negar que outras causas contribuem para esta sobrevida,
queremos, entretanto, pôr em evidência o fator - muito importante, aliás - que
se situa no âmbito de nossa exposição.
Pelo contrário, nas nações latinas, o amor a uma disciplina
externa e visível, a um poder público forte e prestigioso, é - por muitas
razões - bem menor.
A Revolução não encontrou nelas, pois, um sentimento
monárquico tão arraigado. Levou os tronos facilmente. Mas até agora não foi
suficientemente forte para arrastar a Religião.
Outra objeção a nosso trabalho poderia vir do fato de que
certas seitas protestantes são de uma austeridade que toca as raias do exagero.
Como, pois, explicar todo o protestantismo por uma explosão do desejo de gozar
a vida?
Ainda aqui, a objeção não é difícil de resolver. Penetrando
em certos ambiente, a Revolução encontrou muito vivaz o amor à austeridade.
Assim, formou-se um “coágulo”. E, se bem que ela aí tenha conseguido em matéria
de orgulho todos os triunfos, não alcançou êxitos iguais em matéria de
sensualidade. Em tais ambientes, goza-se a vida por meio dos discretos deleites
do orgulho, e não pelas grosseiras delícias da carne. Pode até ser que a
austeridade, acalentada pelo orgulho exacerbado, tenha reagido exageradamente
contra a sensualidade. Mas essa reação, por mais obstinada que seja, é estéril:
cedo ou tarde, por inanição ou pela violência, será destroçada pela Revolução.
Pois não é de um puritanismo hirto, frio, mumificado, que pode partir o sopro
de vida que regenerará a terra.
Tais “coagulações” e cristalizações conduzem normalmente ao
entrechoque das forças da Revolução. Considerando-o, dir-se-ia que as potências
do mal estão divididas contra si mesmas, e que é falsa nossa concepção unitária
do processo revolucionário.
Ilusão. Por um instinto profundo, que mostra que são
harmônicas em seus elementos essenciais, e contraditórias apenas em seus
acidentes, têm essas forças uma espantosa capacidade de se unirem contra a
Igreja Católica, sempre que se encontrem em face dEla.
Estéreis nos elementos bons que lhes restem, as forças
revolucionárias só são realmente eficientes para o mal. E assim, cada qual
ataca de seu lado a Igreja, que fica como uma cidade sitiada por um imenso
exército.
Entre essas forças da Revolução, cumpre não omitir os
católicos que professam a doutrina da Igreja mas estão dominados pelo espírito
revolucionário. Mil vezes mais perigosos que os inimigos declarados, combatem a
Cidade Santa dentro de seus próprios muros, e bem merecem o que deles disse Pio
IX: “
Embora os filhos do século sejam
mais hábeis que os filhos da luz, seus ardis e suas violências teriam, sem
dúvida, menor êxito se um grande número, entre aqueles que se intitulam
católicos, não lhes estendesse mão amiga. Sim, infelizmente, há os que parecem
querer caminhar de acordo com nossos inimigos, e se esforçam por estabelecer
uma aliança entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiça e a iniqüidade
por meio dessas doutrinas que se chamam católico-liberais, as quais,
apoiando-se sobre os mais perniciosos princípios, adulam o poder civil quando
ele invade as coisas espirituais, e impulsionam as almas ao respeito, ou ao
menos à tolerância das leis mais iníquas. Como se absolutamente não estivesse
escrito que ninguém pode servir a dois senhores. São eles muito mais perigosos
certamente e mais funestos do que os inimigos declarados, não só porque lhes
secundam os esforços, talvez sem o perceberem, como também porque, mantendo-se
no extremo limite das opiniões condenadas, tomam uma aparência de integridade e
de doutrina irrepreensível, aliciando os imprudentes amigos de conciliações e
enganando as pessoas honestas, que se revoltariam contra um erro declarado. Por
isso, eles dividem os espíritos, rasgam a unidade e enfraquecem as forças que
seria necessário reunir contra o inimigo”
.
Uma vez que estamos estudando as forças propulsoras da
Revolução, convém que digamos uma palavra sobre os agentes desta.
Não acreditamos que o mero dinamismo das paixões e dos erros
dos homens possa conjugar meios tão diversos, para a consecução de um único
fim, isto é, a vitória da Revolução.
Produzir um processo tão coerente, tão contínuo, como o da
Revolução, através das mil vicissitudes de séculos inteiros, cheios de
imprevistos de toda ordem, nos parece impossível sem a ação de gerações
sucessivas de conspiradores de uma inteligência e um poder extraordinários.
Pensar que sem isto a Revolução teria chegado ao estado em que se encontra, é o
mesmo que admitir que centenas de letras atiradas por uma janela poderiam
dispor-se espontaneamente no chão, de maneira a formar uma obra qualquer, por
exemplo, a “Ode a Satã”, de Carducci.
As forças propulsoras da Revolução têm sido manipuladas até
aqui por agentes sagacíssimos, que delas se têm servido como meios para
realizar o processo revolucionário.
De modo geral, podem qualificar-se agentes da Revolução
todas as seitas, de qualquer natureza, engendradas por ela, desde seu
nascedouro até nossos dias, para a difusão do pensamento ou a articulação das
tramas revolucionárias. Porém, a seita-mestra, em torno da qual todas se
articulam como simples forças auxiliares - por vezes conscientemente, e outras
vezes não - é a Maçonaria, segundo claramente decorre dos documentos
pontifícios, e especialmente da Encíclica
Humanum
Genus de Leão XIII, de 20 de abril de 1884
.
O êxito que até aqui têm alcançado esses conspiradores, e
particularmente a Maçonaria, devesse não só ao fato de possuírem incontestável
capacidade de se articularem e conspirarem, mas também ao seu lúcido
conhecimento do que seja a essência profunda da Revolução, e de como utilizar
as leis naturais - falamos das da política, da sociologia, da psicologia, da
arte, da economia, etc.- para fazer progredir a realização de seus planos.
Nesse sentido os agentes do caos e da subversão fazem como o
cientista, que em vez de agir por si só, estuda e põe em ação as forças, mil
vezes mais poderosas, da natureza.
É o que, além de explicar em grande parte o êxito da
Revolução, constitui importante indicação para os soldados da Contra-Revolução.
Descrita assim rapidamente a crise do Ocidente cristão, é
oportuno analisá-la.
Esse processo crítico de que nos vimos ocupando é, já o
dissemos, uma Revolução.
Damos a este vocábulo o sentido de um movimento que visa
destruir um poder ou uma ordem legítima e pôr em seu lugar um estado de coisas
(intencionalmente não queremos dizer ordem de coisas) ou um poder ilegítimo.
Nesse sentido, a rigor, uma Revolução pode ser incruenta.
Esta de que nos ocupamos se desenvolveu e continua a se desenvolver por toda
sorte de meios, alguns dos quais cruentos, e outros não. As duas guerras
mundiais deste século, por exemplo, consideradas em suas conseqüências mais
profundas, são capítulos dela, e dos mais sanguinolentos. Ao passo que a
legislação cada vez mais socialista de todos ou quase todos os povos hodiernos
constitui um progresso importantíssimo e incruento da Revolução.
A Revolução tem derrubado muitas vezes autoridades
legítimas, substituindo-as por outras sem qualquer título de legitimidade. Mas
haveria engano em pensar que ela consiste apenas nisto. Seu objetivo principal
não é a destruição destes ou daqueles direitos de pessoas ou famílias. Mais do que
isto, ela quer destruir toda uma ordem de coisas legítima, e substituí-la por
uma situação ilegítima. E “ordem de coisas” ainda não diz tudo. É uma visão do
universo e um modo de ser do homem, que a Revolução pretende abolir, com o
intuito de substituí-los por outros radicalmente contrários.
Neste sentido se compreende que esta Revolução não é apenas
uma revolução, mas é a Revolução.
Com efeito, a ordem de coisas que vem sendo destruída é a
Cristandade medieval. Ora, essa Cristandade não foi uma ordem qualquer,
possível como seriam possíveis muitas outras ordens. Foi a realização, nas
circunstâncias inerentes aos tempos e aos lugares, da única ordem verdadeira
entre os homens, ou seja, a civilização cristã.
Na Encíclica
Immortale
Dei, Leão XIII descreveu nestes termos a Cristandade medieval: “
Tempo houve em que a filosofia do Evangelho
governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua
virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos,
todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião
instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que
lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à
proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam
ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons
ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa,
cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos
que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” .
Assim, o que tem sido destruído, do século XV para cá,
aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a
disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da
Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se
quer implantar é, per diametrum, o
contrário disto. Portanto, a Revolução por excelência.
Sem dúvida, a presente Revolução teve precursores, e também
prefiguras. Ario, Maomé, foram prefiguras de Lutero, por exemplo. Houve também
utopistas em diferentes épocas, que conceberam, em sonhos, dias muito parecidos
com os da Revolução. Houve por fim, em diversas ocasiões, povos ou grupos
humanos que tentaram realizar um estado de coisas análogo às quimeras da
Revolução.
Mas todos estes sonhos, todas essas prefiguras pouco ou nada
são em confronto da Revolução em cujo processo vivemos. Esta, por seu
radicalismo, por sua universalidade, por sua pujança, foi tão fundo e está
chegando tão longe, que constitui algo de ímpar na História, e faz perguntar a
muitos espíritos ponderados se realmente não chegamos aos tempos do Anticristo.
De fato, parece que não estamos distantes, a julgar pelas palavras do Santo
Padre João XXIII, gloriosamente reinante: “
Nós
vos dizemos, ademais, que, nesta hora terrível em que o espírito do mal busca
todos os meios para destruir o Reino de Deus, devemos pôr em ação todas as
energias para defendê-lo, se quereis evitar para vossa cidade ruínas
imensamente maiores do que as acumuladas pelo terremoto de cinqüenta anos
atrás. Quanto mais difícil seria então o reerguimento das almas, uma vez que
tivessem sido separadas da Igreja ou submetidas como escravas às falsas
ideologias do nosso tempo!”
.
Em geral, a noção de legitimidade tem sido focalizada apenas
com relação a dinastias e governos. Atendidos os ensinamentos de Leão XIII na
Encíclica
Au Milieu des Solicitudes,
de 16 de fevereiro de 1892
,
não se pode entretanto fazer tábua rasa
da questão da legitimidade dinástica ou governamental, pois é questão moral
gravíssima que as consciências retas devem considerar com toda a atenção.
Porém não é só a este gênero de problemas que se aplica o
conceito de legitimidade.
Há uma legitimidade mais alta, aquela que é a característica
de toda ordem de coisas em que se torne efetiva a Realeza de Nosso Senhor Jesus
Cristo, modelo e fonte da legitimidade de todas as realezas e poderes terrenos.
Lutar pela autoridade legítima é um dever, e até um dever grave. Mas é preciso
ver na legitimidade dos detentores da autoridade não só um bem excelente em si,
mas um meio para atingir bem ainda muito maior, ou seja, a legitimidade de toda
a ordem social, de todas as instituições e ambientes humanos, o que se dá com a
disposição de todas as coisas segundo a doutrina da Igreja.
O ideal da Contra-Revolução é, pois, restaurar e promover a
cultura e a civilização católica. Essa temática não estaria suficientemente
enunciada, se não contivesse uma definição do que entendemos por “cultura
católica” e “civilização católica”. Sabemos que os termos “civilização” e
“cultura” são usados em muitos sentidos diversos. Bem se vê que não pretendemos
aqui tomar posição em uma questão de terminologia. E que nos limitamos a usar
esses vocábulos como rótulos de precisão relativa para mencionar certas
realidade, mais preocupados em dar verdadeira idéia dessas realidades, do que
em discutir sobre os termos.
Uma alma em estado de graça está na posse, em grau
maior ou menor, de todas as virtudes. Iluminada pela Fé, dispõe dos elementos
para formar a única visão verdadeira do universo.
O elemento fundamental da cultura católica é a visão do
universo elaborada segundo a doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só
a instrução, isto é, a posse dos dados informativos necessários para uma tal
elaboração, mas uma análise e uma coordenação desses dados conforme a doutrina
católica. Ela não se cinge ao campo teológico, ou filosófico, ou científico,
mas abrange todo o saber humano, reflete-se na arte e implica na afirmação de
valores que impregnam todos os aspectos da existência.
Civilização católica é a estruturação de todas as relações
humanas, de todas as instituições humanas, e do próprio Estado, segundo a
doutrina da Igreja.
Está implícito que uma tal ordem de coisas é fundamentalmente
sacral, e que ela importa no reconhecimento de todos os poderes da Santa
Igreja, e particularmente do Sumo Pontífice: poder direto sobre as coisas
espirituais, poder indireto sobre as coisas temporais, enquanto dizem respeito
à salvação das almas.
Realmente, o fim da sociedade e do Estado é a vida virtuosa
em comum. Ora, as virtudes que o homem é chamado a praticar são as virtudes
cristãs, e destas a primeira é o amor a Deus. A sociedade e o Estado têm, pois,
um fim sacral
.
Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios para
promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o Estado têm meios
instrumentais para o mesmo fim, isto é, meios que, movidos por um agente mais
alto, produzem efeito superior a si mesmos.
De todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a
civilização católica são a cultura por excelência e a civilização por
excelência. É preciso acrescentar que não podem existir senão em povos
católicos. Realmente, se bem que o homem possa conhecer os princípios da Lei
Natural por sua própria razão, não pode um povo, sem o Magistério da Igreja,
manter-se duravelmente no conhecimento de todos eles
.
E, por este motivo, um povo que não professe a verdadeira Religião não pode
duravelmente praticar todos os Mandamentos
.
Nestas condições, e como sem o conhecimento e a observância da Lei de Deus não
pode haver ordem cristã, a civilização e a cultura por excelência só são
possíveis no grêmio da Santa Igreja. Com efeito, de acordo com o que disse São
Pio X, a civilização “
é tanto mais
verdadeira, mais durável, mais fecunda em frutos preciosos, quanto mais
puramente cristã; tanto mais decadente,
para grande desgraça da sociedade, quanto mais se subtrai à idéia cristã. Por
isto, pela força intrínseca das coisas, a Igreja torna-se também de fato a
guardiã e protetora da civilização cristã”
.
Se nisto consistem a ordem e a legitimidade, facilmente se
vê no que consiste a Revolução. Pois é o contrário dessa ordem. É a desordem e
a ilegitimidade por excelência.
Duas noções concebidas como valores metafísicos exprimem bem
o espírito da Revolução: a igualdade absoluta, liberdade completa. E duas são
as paixões que mais a servem: o orgulho e a sensualidade.
Referindo-nos às paixões, cumpre esclarecer o sentido em que
tomamos o vocábulo neste trabalho. Para maior brevidade, conformando-nos com o
uso de vários autores espirituais, sempre que falamos das paixões como fautoras
da Revolução, referimo-nos às paixões desordenadas. E, de acordo com a
linguagem corrente, incluímos nas paixões desordenadas todos os impulsos ao
pecado existentes no homem em conseqüência da tríplice concupiscência: a da
carne, a dos olhos e a soberba da vida
.
A pessoa orgulhosa, sujeita à autoridade de outra, odeia
primeiramente o jugo que em concreto pesa sobre ela.
Num segundo grau, o orgulhoso odeia genericamente todas as
autoridades e todos os jugos, e mais ainda o próprio princípio de autoridade,
considerado em abstrato.
E porque odeia toda autoridade, odeia também toda
superioridade, de qualquer ordem que seja.
E nisto tudo há um verdadeiro ódio a Deus
.
Este ódio a qualquer desigualdade tem ido tão longe que,
movidas por ele, pessoas colocadas em alta situação a têm posto em grave risco
e até perdido, só para não aceitar a superioridade de quem está mais alto.
Mais ainda. Num auge de virulência o orgulho poderia levar
alguém a lutar pela anarquia, e a recusar o poder supremo que lhe fosse
oferecido. Isto porque a simples existência desse poder traz implícita a
afirmação do princípio de autoridade, a que todo o homem enquanto tal - e o
orgulhoso também - poder ser sujeito.
O orgulho pode conduzir, assim, ao igualitarismo mais
radical e completo.
São vários os aspectos desse igualitarismo radical e
metafísico:
* a. Igualdade entre
os homens e Deus: daí o panteísmo, o imanentismo e todas as formas
esotéricas de religião, visando estabelecer um trato de igual a igual entre
Deus e os homens, e tendo por objetivo saturar estes últimos de propriedades
divinas. O ateu é um igualitário que, querendo evitar o absurdo que há em
afirmar que o homem é Deus, cai em outro absurdo, afirmando que Deus não
existe. O laicismo é uma forma de ateísmo, e portanto de igualitarismo. Ele
afirma a impossibilidade de se ter certeza da existência de Deus. De onde, na
esfera temporal, o homem deve agir como se Deus não existisse. Ou seja, como
pessoa que destronou a Deus.
* b. Igualdade na
esfera eclesiástica: supressão do sacerdócio dotado dos poderes de ordem,
magistério e governo, ou pelo menos de um sacerdócio com graus hierárquicos.
* c. Igualdade entre
as diversas religiões: todas as discriminações religiosas são antipáticas
porque ofendem a fundamental igualdade entre os homens. Por isto, as diversas
religiões devem ter tratamento rigorosamente igual. O pretender-se uma religião
verdadeira com exclusão das outras é afirmar uma superioridade, é contrário à
mansidão evangélica, e impolítico, pois lhe fecha o acesso aos corações.
* d.
Igualdade na
esfera política: supressão, ou pelo menos atenuação, da desigualdade entre
governantes e governados. O poder não vem de Deus, mas da massa, que manda e à
qual o governo deve obedecer. Proscrição da monarquia e da aristocracia como
regimes intrinsecamente maus, por antiigualitários. Só a democracia é legítima,
justa e evangélica
.
* e. Igualdade na
estrutura da sociedade: supressão das classes, especialmente das que se
perpetuam por via hereditária. Abolição de toda a influência aristocrática na
direção da sociedade e no tônus geral
da cultura e dos costumes. A hierarquia natural constituída pela superioridade
do trabalho intelectual sobre o trabalho manual desaparecerá pela superação da
distinção entre um e outro.
* f. Abolição dos
corpos intermediários entre os indivíduos e o Estado, bem como dos
privilégios que são elementos inerentes a cada corpo social. Por mais que a
Revolução odeie o absolutismo régio, odeia mais ainda os corpos intermediários
e a monarquia orgânica medieval. É que o absolutismo monárquico tende a pôr os
súditos, mesmo os mais categorizados, num nível de recíproca igualdade, numa
situação diminuída que já prenuncia a aniquilação do indivíduo e o anonimato
que chegam ao auge nas grandes concentrações urbanas da sociedade socialista.
Entre os grupos intermediários a serem abolidos, ocupa o primeiro lugar a
família. Enquanto não consegue extingui-la, a Revolução procura reduzi-la,
mutilá-la e vilipendiá-la de todos os modos.
* g. Igualdade
econômica: nada pertence a ninguém, tudo pertence à coletividade. Supressão
da propriedade privada, do direito de cada qual ao fruto integral de seu
próprio trabalho e à escolha de sua profissão.
* h. Igualdade nos
aspectos exteriores da existência: a variedade redunda facilmente em
desigualdade de nível. Por isso, diminuição quanto possível da variedade nos
trajes, nas residências, nos móveis, nos hábitos etc.
* i.
Igualdade de
almas: a propaganda como que padroniza todos as almas, tirando-lhes as
peculiaridades, e quase a vida própria. Até as diferenças de psicologia e
atitude entre sexos tendem a minguar o mais possível. Por tudo isto, desaparece
o povo que é essencialmente uma grande família de almas diversas mas
harmônicas, reunidas em torno do que lhes é comum. E surge a massa, com sua
grande alma vazia, coletiva, escrava
.
* j. Igualdade em todo
o trato social: como entre mais velhos e mais moços, patrões e empregados,
professores e alunos, esposo e esposa, pais e filhos, etc.
* k.
Igualdade na
ordem internacional: o Estado é constituído por um povo independente
exercendo domínio pleno sobre um território. A soberania é, assim, no Direito
Público, a imagem da propriedade. Admitida a idéia de povo, com características
que o diferenciam dos outros, e a de soberania, estamos forçosamente em
presença de desigualdades: de capacidade, de virtude, de número etc. Admitida a
idéia de território, temos a desigualdade quantitativa e qualitativa dos vários
espaços territoriais. Compreende-se, pois, que a Revolução, fundamentalmente
igualitária, sonhe em fundir todas as raças, todos os povos e todos os Estados
em uma só raça, um só povo e um só Estado
.
* l. Igualdade entre
as diversas partes do país: pelas mesmas razões, e por um mecanismo análogo,
a Revolução tende a abolir no interior das pátrias ora existentes todo o sadio
regionalismo político, cultural, etc.
* m.
Igualitarismo e
ódio a Deus: Santo Tomás ensina
que a diversidade das criaturas e seu escalonamento hierárquico são um bem em
si, pois assim melhor resplandecem na criação as perfeições do Criador. E diz
que tanto entre os Anjos
quanto entre os homens, no Paraíso Terrestre como nesta terra de exílio
,
a Providência instituiu a desigualdade. Por isso, um universo de criaturas
iguais seria um mundo em que se teria eliminado em toda a medida do possível a
semelhança entre criaturas e Criador. Odiar, em princípio, toda e qualquer
desigualdade é, pois, colocar-se metafisicamente contra os melhores elementos
de semelhança entre o Criador e a criação, é odiar a Deus.
* n. Os limites da
desigualdade: claro está que de toda esta explanação doutrinária não se
pode concluir que a desigualdade é sempre e necessariamente um bem.
Os homens são todos iguais por natureza, e diversos apenas
em seus acidentes. Os direitos que lhes vêm do simples fato de serem homens são
iguais para todos: direito à vida, à honra, a condições de existência
suficientes, ao trabalho, pois, e à propriedade, à constituição de família, e
sobretudo ao conhecimento e prática da verdadeira Religião. E as desigualdades
que atentem contra estes direitos são contrárias à ordem da Providência. Porém,
dentro destes limites, as desigualdades provenientes de acidentes como a
virtude, o talento, a beleza, a força, a família, a tradição, etc., são justas
e conformes à ordem do universo
.
A par do orgulho gerador de todo o igualitarismo, a
sensualidade, no mais largo sentido do termo, é causadora do liberalismo. É
nestas tristes profundezas que se encontra a junção entre esses dois princípios
metafísicos da Revolução, a igualdade e a liberdade, contraditórios em tantos
pontos de vista.
* a.
A hierarquia na
alma: Deus, que imprimiu um cunho hierárquico em toda a criação, visível e
invisível, fê-lo também na alma humana. A inteligência deve guiar a vontade, e
esta deve governar a sensibilidade. Como conseqüência do pecado original,
existe no homem um constante atrito entre os apetites sensíveis e a vontade
guiada pela razão: “
Vejo nos meus membros
outra lei, que combate contra a lei da minha razão”
.
Mas a vontade, rainha reduzida a governar súditos postos em
contínuas tentativas de revolta, tem meios de vencer sempre... desde que não
resista à graça de Deus
.
* b. O igualitarismo
na alma: o processo revolucionário, que visa o nivelamento geral, mas
tantas vezes não tem sido senão a usurpação da função retriz por quem deveria
obedecer, uma vez transposto para as relações entre as potências da alma
haveria de produzir a lamentável tirania de todas as paixões desenfreadas,
sobre uma vontade débil e falida e uma inteligência obnubilada. Especialmente o
domínio de uma sensualidade abrasada, sobre todos os sentimentos de recato e de
pudor.
Quando a Revolução proclama a liberdade absoluta como um
princípio metafísico, fá-lo unicamente para justificar o livre curso das piores
paixões e dos erros mais funestos.
* c. Igualitarismo e
liberalismo: a inversão de que falamos, isto é, o direito de pensar, sentir
e fazer tudo quanto as paixões desenfreadas exigem, é a essência do
liberalismo, isto bem se mostra nas formas mais exacerbadas da doutrina
liberal. Analisando-as, percebe-se que o liberalismo pouco se importa com a
liberdade para o bem. Só lhe interessa a liberdade para o mal. Quando no poder,
ele facilmente, e até alegremente, tolhe ao bem a liberdade, em toda a medida
do possível. Mas protege, favorece, prestigia, de muitas maneiras, a liberdade
para o mal. No que se mostra oposto à civilização católica, que dá ao bem todo
o apoio e toda a liberdade, e cerceia quanto possível o mal.
Ora, essa liberdade para o mal é precisamente a liberdade
para o homem enquanto “revolucionário” em seu interior, isto é, enquanto
consente na tirania das paixões sobre sua inteligência e sua vontade.
E assim o liberalismo é fruto da mesma árvore que o
igualitarismo.
Aliás, o orgulho, enquanto gera o ódio a qualquer autoridade
,
induz a uma atitude nitidamente liberal. E a este título deve ele ser
considerado um fator ativo do liberalismo. Quando, porém, se deu conta de que,
se deixarmos livres os homens, desiguais por suas aptidões e sua aplicação, a
liberdade engendrará a desigualdade, a Revolução, por ódio a esta, deliberou
sacrificar aquela. Daí nasceu sua fase socialista. Esta fase não constitui
senão uma etapa. A Revolução espera, em
seu termo final, realizar um estado de coisas em que a completa liberdade
coexista com a plena igualdade.
Assim, historicamente, o movimento socialista é um mero
requinte do movimento liberal. O que leva um liberal autêntico a aceitar o
socialismo é precisamente que, neste, se proíbem tiranicamente mil coisas boas,
ou pelo menos inocentes, mas se favorece a satisfação metódica, e por vezes com
aspectos de austeridade, das piores e mais violentas paixões, como a inveja, a
preguiça, a luxúria. E de outro lado, o liberal entrevê que a ampliação da
autoridade no regime socialista não passa, dentro da lógica do sistema, de meio
para chegar à tão almejada anarquia final.
Os entrechoques de certos liberais ingênuos ou retardados,
com os socialistas, são, pois, meros episódios superficiais no processo
revolucionário, inócuos qui pro quo
que não perturbam a lógica profunda da Revolução, nem sua marcha inexorável num
sentido que, bem vistas as coisas, é ao mesmo tempo socialista e liberal.
* d. A geração do “rock and roll”: o processo
revolucionário nas almas, assim descrito, produziu nas gerações mais recentes,
e especialmente nos adolescentes atuais que se hipnotizam com o “rock and
roll”, um feitio de espírito que se caracteriza pela espontaneidade das reações
primárias, sem o controle da inteligência nem a participação efetiva da
vontade; pelo predomínio da fantasia e das “vivências” sobre a análise metódica
da realidade: fruto, tudo, em larga medida, de uma pedagogia que reduz a quase
nada o papel da lógica e da verdadeira formação da vontade.
* e. Igualitarismo,
liberalismo e anarquismo: conforme os itens anteriores (“a” a “d”), a
efervescência das paixões desregradas, se desperta de um lado o ódio a qualquer
freio e qualquer lei, de outro lado provoca o ódio contra qualquer
desigualdade. Tal efervescência conduz assim à concepção utópica do
“anarquismo” marxista, segundo a qual uma humanidade evoluída, vivendo numa
sociedade sem classes nem governo, poderia gozar da ordem perfeita e da mais
inteira liberdade, sem que desta se originasse qualquer desigualdade. Como se
vê, o ideal simultaneamente mais liberal e mais igualitário que se possa
imaginar.
Com efeito, a utopia anárquica do marxismo consiste em um
estado de coisas em que a personalidade humana teria alcançado um alto grau de
progresso, de tal maneira que lhe seria possível desenvolver-se livremente numa
sociedade sem Estado nem governo.
Nessa sociedade - que, apesar de não ter governo, viveria em
plena ordem - a produção econômica estaria organizada e muito desenvolvida, e a
distinção entre trabalho intelectual e manual estaria superada. Um processo
seletivo ainda não determinado levaria à direção da economia os mais capazes,
sem que daí decorresse a formação de classes.
Estes seriam os únicos e insignificantes resíduos de
desigualdade. Mas, como essa sociedade comunista anárquica não é o termo final
da História, parece legítimo supor que tais resíduos seriam abolidos em
ulterior evolução.
As anteriores considerações pedem um desenvolvimento quanto
ao papel da inteligência, da vontade e da sensibilidade, nas relações entre
erro e paixão.
Poderia parecer, com efeito, que afirmamos que todo erro é
concebido pela inteligência para justificar alguma paixão desregrada. Assim, o
moralista que afirmasse uma máxima liberal seria sempre movido por uma
tendência liberal.
Não é o que pensamos. Pode suceder que unicamente por
fraqueza da inteligência atingida pelo pecado original, o moralista chegue a
uma conclusão liberal.
Em tal caso terá havido necessariamente alguma falta moral
de outra natureza, o descuido, por exemplo? É questão alheia a nosso estudo.
Afirmamos, isto sim, que, historicamente, esta Revolução
teve sua primeira origem em uma violentíssima fermentação de paixões. E estamos
longe de negar o grande papel dos erros doutrinários nesse processo.
Muitos têm sido os estudos de autores de grande valor, como
de Maistre, de Bonald, Donoso Cortés e tantos outros, sobre tais erros e o modo
por que foram eles derivando uns dos outros, do século XV ao século XVI, e
assim por diante até o século XX. Não é, pois, nossa intenção insistir aqui
sobre o assunto.
Parece-nos, entretanto, particularmente oportuno focalizar a
importância dos fatores “passionais” e a influência destes nos aspectos
estritamente ideológicos do processo revolucionário em que nos achamos. Pois, a
nosso ver, as atenções estão pouco voltadas para este ponto, o que traz uma
visão incompleta da Revolução, e acarreta em conseqüência a adoção de métodos
contra-revolucionários inadequados.
Sobre o modo por que as paixões podem influir nas idéias, há
algo a acrescentar aqui.
O homem, pelas simples forças de sua natureza, pode conhecer
muitas verdades e praticar várias virtudes. Entretanto, não lhe é possível, sem
o auxílio da graça, permanecer duravelmente no conhecimento e na prática de
todos os Mandamentos
.
Isto quer dizer que em todo homem decaído há sempre a debilidade
da inteligência e uma tendência primeira, e anterior a qualquer raciocínio, que
o incita a revoltar-se contra a Lei
.
Tal tendência fundamental à revolta pode, em dado momento,
ter o consentimento do livre arbítrio. O homem decaído peca, assim, violando um
ou outro Mandamento. Mas suas revolta pode ir além, e chegar até o ódio, mais
ou menos inconfessado, à própria ordem moral em seu conjunto. Esse ódio,
revolucionário por essência, pode gerar erros doutrinários, e até levar à
profissão consciente e explícita de princípios contrários à Lei moral e à
doutrina revelada, enquanto tais, o que constitui um pecado contra o Espírito
Santo. Quando esse ódio começou a dirigir as tendências mais profundas da
História do Ocidente, teve início a Revolução cujo processo hoje se desenrola e
em cujos erros doutrinários ele imprimiu vigorosamente sua marca. Ele é a causa
mais ativa da grande apostasia hodierna. Por sua natureza, é ele algo que não
pode ser reduzido simplesmente a um sistema doutrinário: é a paixão desregrada,
em altíssimo grau de exacerbação.
Como é fácil ver, tal afirmação, relativa a esta Revolução
em concreto, não implica em dizer que há sempre uma paixão desordenada na raiz
de todo erro.
E nem implica em negar que muitas vezes foi um erro que
desencadeou nesta ou naquela alma, ou mesmo neste ou naquele grupo social, o
desregramento das paixões.
Afirmamos tão somente que o processo revolucionário,
considerado em seu conjunto, e também em seus principais episódios, teve por
germe mais ativo e profundo o desregramento das paixões.
Poder-se-ia talvez opor a seguinte objeção: se tal é a
importância das paixões no processo revolucionário, parece que a vítima deste
está sempre, em alguma medida, pelo menos, de má fé. Se o protestantismo, por
exemplo, é filho da Revolução, está de má fé todo protestante? Não colide isto
com a doutrina da Igreja que admite que haja, em outras religiões, almas de boa
fé?
É óbvio que uma pessoa de inteira boa fé, e dotada de um
espírito fundamentalmente contra-revolucionário, pode estar presa nas malhas
dos sofismas revolucionários (sejam de índole religiosa, filosófica, política,
ou outra qualquer) por uma ignorância invencível. Em pessoas assim não há
qualquer culpa.
Mutatis mutandis,
pode-se dizer o mesmo quanto às que aderem à doutrina da Revolução num ou
noutro ponto restrito, por um lapso involuntário da inteligência.
Mas se alguém participa do espírito da Revolução, movido
pelas paixões desregradas inerentes a ela, a resposta tem de ser outra.
Pode um revolucionário nestas condições estar persuadido das
excelências das suas máximas subversivas. Ele não será portanto insincero. Mas
terá culpa pelo erro em que caiu.
E pode também acontecer que o revolucionário professe uma
doutrina da qual não esteja persuadido, ou da qual tenha uma convicção
incompleta.
Será, neste caso, parcial ou totalmente insincero...
Parece-nos que, a este propósito, quase não seria necessário
acentuar que, quando afirmamos que as doutrinas de Marx estavam implícitas nas
negações da Pseudo-Reforma e da Revolução Francesa, não queremos com isto dizer
que os adeptos daqueles dois movimentos eram, conscientemente, marxistas avant la lettre, e que ocultavam
hipocritamente suas opiniões.
O próprio da virtude cristã é a reta disposição das
potências da alma e, pois, o incremento da lucidez da inteligência iluminada
pela graça e guiada pelo Magistério da Igreja. Não é por outra razão que todo o
Santo é um modelo de equilíbrio e de imparcialidade. A objetividade de seus juízos
e a firme orientação de sua vontade para o bem não são debilitadas, nem de
leve, pelo bafo venenoso das paixões desregradas.
Pelo contrário, à medida que o homem decai na virtude e se
entrega ao jugo dessas paixões, vai minguando nele a objetividade em tudo
quanto com as mesmas se relacione. De modo particular, essa objetividade fica
perturbada quanto aos julgamentos que o homem formule sobre si mesmo.
Até que ponto um revolucionário “de marcha lenta” do século
XVI ou do século XVIII, obnubilado pelo espírito da Revolução, se dava conta do
sentido profundo e das últimas conseqüências de sua doutrina, é em cada caso
concreto o segredo de Deus.
De qualquer forma, a hipótese de que fossem todos eles
marxistas conscientes é de se excluir inteiramente.
Tudo quanto aqui se disse dá fundamento a uma observação de
importância prática.
Espíritos marcados por essa Revolução interior poderão
talvez, por um jogo qualquer de circunstâncias e de coincidência, como uma
educação em meio fortemente tradicionalista e moralizado, conservar em um ou
muitos pontos uma atitude contra-revolucionária
.
Sem embargo, na mentalidade destes
“semicontra-revolucionários” se terá entronizado o espírito da Revolução. E num
povo onde a maioria esteja em tal estado de alma, a Revolução será incoercível
enquanto este não mudar.
Assim, a unidade da Revolução trás, como contrapartida, que
o contra-revolucionário autêntico só poderá ser total.
Quanto aos “semicontra-revolucionários” em cuja alma começa
a vacilar o ídolo da Revolução, a situação é algum tanto diversa. Tratamos do
assunto na Parte II - Cap. XII, 10.
Assim descrita a complexidade e amplitude que o processo
revolucionário tem nas camadas mais profundas das almas, e portanto da
mentalidade dos povos, é mais fácil apontar toda a importância da cultura, das
artes e dos ambientes na marcha da Revolução.
As idéias revolucionárias fornecem às tendências de que
nasceram o meio de se afirmarem com foros de cidadania, aos olhos do próprio
indivíduo e de terceiros. Elas servem ao revolucionário para abalar nestes
últimos as convicções verdadeiras, e para assim desencadear ou agravar neles a
revolta das paixões. Elas são inspiração e molde para as instituições geradas
pela Revolução. Essas idéias podem encontrar-se nos mais variados ramos do
saber ou da cultura, pois é difícil que algum deles não esteja implicado, pelo
menos indiretamente, na luta entre a Revolução e a Contra-Revolução.
Quanto às artes, como Deus estabeleceu misteriosas e
admiráveis relações entre certas formas, cores, sons, perfumes e sabores e
certos estados de alma, é claro que por estes meios se pode influenciar a fundo
as mentalidades e induzir pessoas, famílias e povos à formação de um estado de
espírito profundamente revolucionário. Basta lembrar a analogia entre o
espírito da Revolução Francesa e as modas que durante ela surgiram. Ou entre as
efervescências revolucionárias de hoje e as presentes extravagâncias das modas
e das escolas artísticas ditas avançadas.
Quanto aos ambientes na medida em que favorecem costumes
bons ou maus, podem opor à Revolução as admiráveis barreiras de reação, ou pelo
menos de inércia, de tudo quanto é sadiamente consuetudinário; ou podem
comunicar às almas as toxinas e as energias tremendas do espírito
revolucionário.
Por isto, em concreto, é necessário reconhecer que a
democratização geral dos costumes e dos estilos de vida, levado aos extremos de
uma vulgaridade sistemática e crescente, e a ação proletarizante de certa arte
moderna, contribuíram para o triunfo do igualitarismo tanto ou mais do que a implantação
de certas leis, ou de certas instituições essencialmente políticas.
Como também é preciso reconhecer que quem, por exemplo,
conseguisse fazer cessar o cinema ou a televisão imorais ou agnósticos teria
feito pela Contra-Revolução muito mais do que se provocasse a queda de um
gabinete esquerdista, na rotina de um regime parlamentar.
Dentre os múltiplos aspectos da Revolução, é importante
ressaltar que ela induz seus filhos a subestimarem ou negarem as noções de bem
e mal, de pecado original e de Redenção.
A Revolução é, como vimos, filha do pecado. Mas, se ela o
reconhecesse, desmascarar-se-ia e se voltaria contra sua própria causa.
Explica-se, assim, porque a Revolução tende, não só a passar
sob silêncio a raiz de pecado da qual brotou, mas a negar a própria noção do
pecado. Negação radical, que inclui tanto a culpa original quanto a atual, e se
efetua principalmente:
• Por sistemas filosóficos ou jurídicos que negam a validade
e a existência de qualquer Lei moral ou dão a esta os fundamentos vãos e
ridículos do laicismo.
• Pelos mil processos de propaganda que criam nas multidões
um estado de alma em que, sem se afirmar diretamente que a moral não existe, se
faz abstração dela, e toda a veneração devida à virtude é tributada a ídolos
como o ouro, o trabalho, a eficiência, o êxito, a segurança, a saúde, a beleza
física, a força muscular, o gozo dos sentidos, etc.
É a própria noção de pecado, a distinção mesma entre o bem e
o mal, que a Revolução vai destruindo no homem contemporâneo. E, ipso facto, vai ela negando a Redenção
de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem o pecado, se torna incompreensível e
perde qualquer relação lógica com a História e a vida.
Em cada uma de suas etapas, a Revolução tem procurado
subestimar ou negar radicalmente o pecado.
Na fase liberal e individualista, ela ensinou que o homem é
dotado de uma razão infalível, de uma vontade forte e de paixões sem
desregramentos. Daí uma concepção da ordem humana, em que o indivíduo, reputado
um ente perfeito, era tudo, e o Estado nada, ou quase nada, um mal necessário...
provisoriamente necessário, talvez. Foi o período em que se pensava que a causa
única de todos os erros e crimes era a ignorância. Abrir escolas era fechar
prisões. O dogma básico destas ilusões foi a conceição imaculada do indivíduo.
A grande arma do liberal, para se defender contra as
possíveis prepotências do Estado, e para impedir a formação de camarilhas que
lhe tirassem a direção da coisa pública, eram as liberdades políticas e o
sufrágio universal.
Já no século passado, o desacerto desta concepção se tornara
patente, pelo menos em parte. Mas a Revolução não recuou. Em vez de reconhecer
seu erro, ela o substituiu por outro. Foi a conceição imaculada das massas e do
Estado. Os indivíduos são propensos ao egoísmo e podem errar. Mas as massas
acertam sempre, e jamais se deixam levar pelas paixões. Seu impecável meio de
ação é o Estado. Seu infalível meio de expressão, o sufrágio universal, do qual
decorrem os parlamentos impregnados de pensamento socialista, ou a vontade
forte de um ditador carismático, que guia sempre as massas para a realização da
vontade delas.
De qualquer maneira, depositando toda a sua confiança no
indivíduo considerado isoladamente, nas massas, ou no Estado, é no homem que a
Revolução confia. Auto-suficiente pela ciência e pela técnica, pode ele
resolver todos os seus problemas, eliminar a dor, a pobreza, a ignorância, a
insegurança, enfim tudo aquilo a que chamamos efeito do pecado original ou
atual.
Um mundo em cujo seio as pátrias unificadas numa República
Universal não sejam senão denominações geográficas, um mundo sem desigualdades
sociais nem econômicas, dirigido pela ciência e pela técnica, pela propaganda e
pela psicologia, para realizar, sem o sobrenatural, a felicidade definitiva do
homem: eis a utopia para a qual a Revolução nos vai encaminhando.
Nesse mundo, a Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo nada
tem a fazer. Pois o homem terá superado o mal pela ciência e terá transformado
a terra em um “céu” tecnicamente delicioso. E pelo prolongamento indefinido da
vida esperará vencer um dia a morte.
O exposto no capítulo anterior nos faz compreender facilmente
o caráter pacifista, e portanto antimilitarista da Revolução.
No paraíso técnico da Revolução, a paz tem de ser perpétua.
Pois a ciência demonstra que a guerra é um mal. E a técnica consegue evitar
todas as causas das guerras.
Daí uma incompatibilidade fundamental entre a Revolução e as
forças armadas, que deverão ser inteiramente abolidas. Na República Universal
haverá apenas uma polícia, enquanto os progressos da ciência e da técnica não
acabarem de eliminar o crime.
A farda, por sua simples presença, afirma implicitamente
algumas verdades, um tanto genéricas, sem dúvida, mas de índole certamente
contra-revolucionária:
- A existência de valores que são mais que a vida e pelos
quais se deve morrer - o que é contrário à mentalidade socialista, toda feita
de horror ao risco e à dor, de adoração da segurança, e do supremo apego à vida
terrena.
- A existência de uma moral, pois a condição militar é toda
ela fundada sobre idéias de honra, de força posta ao serviço do bem e voltada
contra o mal, etc.
Por fim, entre a Revolução e o espírito militar há uma
antipatia “temperamental”. A Revolução, enquanto não tem todas as rédeas na
mão, é verbosa, enredadeira, declamatória. Resolver as coisas diretamente,
drasticamente, secamente more militari,
desagrada o que poderíamos chamar o atual temperamento da Revolução. “Atual”,
frisamos, para aludir a esta no estágio em que se encontra entre nós. Pois nada
há de mais despótico e cruel do que a Revolução quando é onipotente: a Rússia
dá disto um eloqüente exemplo. Mas ainda aí a divergência subsiste, posto que o
espírito militar é coisa bem diferente de espírito de carrasco.
* * *
Analisada assim em seus vários aspectos a utopia
revolucionária, damos por concluído o estudo da Revolução.
* * *
Se tal é a Revolução, a Contra-Revolução é, no sentido
literal da palavra, despido das conexões ilegítimas e mais ou menos demagógicas
que a ela se juntaram na linguagem corrente, uma “re-ação”. Isto é, uma ação
que é dirigida contra outra ação. Ela está para a Revolução como, por exemplo,
a Contra-Reforma está para a Pseudo-Reforma.
E deste caráter de reação vem à Contra-Revolução sua nobreza
e sua importância. Com efeito, se é a Revolução que nos vai matando, nada é
mais indispensável do que uma reação que vise esmagá-la. Ser infenso, em
princípio, a uma reação contra-revolucionária é o mesmo que querer entregar o
mundo ao domínio da Revolução.
Importa acrescentar que a Contra-Revolução, assim vista, não
é nem pode ser um movimento nas nuvens, que combata fantasmas. Ela tem de ser a
Contra-Revolução do século XX, feita contra a Revolução como hoje em concreto
esta existe e, pois, contra as paixões revolucionárias como hoje crepitam,
contra as idéias revolucionárias como hoje se formulam, os ambientes
revolucionários como hoje se apresentam, a arte e a cultura revolucionárias
como hoje são, as correntes e os homens que, em qualquer nível, são atualmente
os fautores mais ativos da Revolução. A Contra-Revolução não é, pois, um mero
retrospecto dos malefícios da Revolução no passado, mas um esforço para lhe
cortar o caminho no presente.
A modernidade da Contra-Revolução não consiste em fechar os
olhos nem em pactuar, ainda que em proporções insignificantes, com a Revolução.
Pelo contrário, consiste em conhecê-la em sua essência invariável e em seus tão
relevantes acidentes contemporâneos, combatendo-a nestes e naquela,
inteligentemente, argutamente, planejadamente, com todos os meios lícitos, e
utilizando o concurso de todos os filhos da luz.
Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a
restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de
Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente
sacral, antiigualitária e antiliberal.
Entretanto, por força da lei histórica segundo a qual o
imobilismo não existe nas coisas terrenas, a ordem nascida da Contra-Revolução
deverá ter características próprias que a diversifiquem da ordem existente
antes da Revolução. Claro está que esta afirmação não se refere aos princípios,
mas aos acidentes. Acidentes, entretanto, de tal importância, que merecem ser
mencionados.
Na impossibilidade de nos estendermos sobre este assunto,
digamos simplesmente que, em geral, quando num organismo se opera uma fratura
ou dilaceração, a zona de soldadura ou recomposição apresenta dispositivos de
proteção especiais. É, pelas causas segundas, o desvelo amoroso da Providência
contra a eventualidade de novo desastre. Observa-se isto com os ossos
fraturados, cuja soldadura se constitui à maneira de reforço na própria zona de
fratura, ou com os tecidos cicatrizados. Esta é uma imagem material de fato
análogo que se passa na ordem espiritual. O pecador que verdadeiramente se
emenda tem ao pecado, em via de regra, horror maior do que teve nos melhores
anos anteriores à queda. É a historia dos Santos penitentes. Assim também,
depois de cada prova, a Igreja emerge particularmente armada contra o mal que
procurou prostrá-La. Exemplo típico disto é a Contra-Reforma.
Em virtude dessa lei, a ordem nascida da Contra-Revolução deverá
refulgir, mais ainda do que a da Idade Media, nos três pontos capitais em que
esta foi vulnerada pela Revolução:
* Um profundo respeito dos direitos da Igreja e do Papado e
uma sacralização, em toda a extensão do possível, dos valores da vida temporal,
tudo por oposição ao laicismo, ao interconfessionalismo, ao ateísmo e ao
panteísmo, bem como a suas respectivas seqüelas.
* Um espírito de hierarquia, marcando todos os aspectos da
sociedade e do Estado, da cultura e da vida, por oposição à metafísica igualitária
da Revolução.
* Uma diligência no detectar e no combater o mal em suas
formas embrionárias ou veladas, em fulminá-lo com execração e nota de infâmia,
e em puni-lo com inquebrantável firmeza em todas as suas manifestações, e
particularmente nas que atentarem contra a ortodoxia e a pureza dos costumes,
tudo por oposição à metafísica liberal da Revolução e à tendência desta a dar
livre curso e proteção ao mal.
A tendência de tantos de nossos contemporâneos, filhos da
Revolução, de amar sem restrições o presente, adorar o futuro e votar
incondicionalmente o passado ao desprezo e ao ódio, suscita a respeito da
Contra-Revolução um conjunto de incompreensões que importa fazer cessar.
Sobretudo, afigura-se a muitas pessoas que o caráter tradicionalista e
conservador desta última faz dela uma adversária nata do progresso humano.
A Contra-Revolução, como vimos, é um esforço que se
desenvolve em função de uma Revolução. Esta se volta constantemente contra todo
um legado de instituições, de doutrinas, de costumes, de modos de ver, sentir e
pensar cristãos que recebemos de nossos maiores, e que ainda não estão
completamente abolidos. A Contra-Revolução é, pois, a defensora das tradições
cristãs.
A Revolução ataca a civilização cristã mais ou menos como
certa árvore da floresta brasileira, a figueira brava (Urostigma olearia), que, crescendo no tronco de outra, a envolve
completamente e a mata. Em suas correntes “moderadas” e de velocidade lenta,
acercou-se a Revolução da civilização cristã para envolvê-la de todo e matá-la.
Estamos num período em que esse estranho fenômeno de destruição ainda não se
completou, isto é, numa situação híbrida em que aquilo a que quase chamaríamos
restos mortais da civilização cristã, somado ao perfume e à ação remota de
muitas tradições, só recentemente abolidas, mas que ainda têm alguma coisa de
vivo na memória dos homens, coexiste com muitas instituições e costumes
revolucionários.
Em face dessa luta entre uma esplendida tradição cristã em
que ainda palpita a vida, e uma ação revolucionária inspirada pela mania de
novidades a que se referia Leão XIII, nas palavras iniciais da Encíclica
Rerum Novarum, é natural que o
verdadeiro contra-revolucionário seja o defensor nato do tesouro das boas
tradições, porque elas são os valores do passado cristão ainda existentes e que
se trata exatamente de salvar. Nesse sentido, o contra-revolucionário atua como
Nosso Senhor, que não veio apagar a mecha que ainda fumega, nem romper o
arbusto partido
.
Deve ele, portanto, procurar salvar amorosamente todas essas tradições cristãs.
Uma ação contra-revolucionária é, essencialmente, uma ação tradicionalista.
O espírito tradicionalista da Contra-Revolução nada tem de
comum com um falso e estreito tradicionalismo que conserva certos ritos,
estilos ou costumes por mero amor às formas antigas e sem qualquer apreço pela
doutrina que os gerou. Isto seria arqueologismo, não sadio e vivo
tradicionalismo.
A Contra-Revolução é conservadora? Em um sentido, sim, e profundamente. E em
outro sentido, não, também profundamente.
Se se trata de conservar, do presente, algo que é bom e
merece viver, a Contra-Revolução é conservadora.
Mas se se trata de perpetuar a situação híbrida em que nos
encontramos, de sustar o processo revolucionário nesta etapa, mantendo-nos
imóveis como uma estátua de sal, à margem do caminho da História e do Tempo,
abraçados ao que há de bom e de mau em nosso século, procurando assim uma
coexistência perpétua e harmônica do bem e do mal, a Contra-Revolução não é nem
pode ser conservadora.
A Contra-Revolução é progressista? Sim, se o progresso for autêntico. E não, se
for a marcha para a realização da utopia revolucionária.
Em seu aspecto material, consiste o verdadeiro progresso no
reto aproveitamento das forças da natureza, segundo a Lei de Deus e a serviço
do homem. Por isso, a Contra-Revolução não pactua com o tecnicismo
hipertrofiado de hoje, com a adoração das novidades, das velocidades e das
máquinas, nem com a deplorável tendência a organizar
more mechanico a sociedade humana. Estes são excessos que Pio XII
condenou com profundidade e precisão
.
E nem é o progresso material de um povo o elemento capital
do progresso cristãmente entendido. Consiste este, sobretudo, no pleno
desenvolvimento de todas as suas potências de alma, e na ascensão dos homens
rumo à perfeição moral. Uma concepção contra-revolucionária do progresso
importa, pois, na prevalência dos aspectos espirituais deste sobre os aspectos
materiais. Em conseqüência, é próprio à Contra-Revolução promover, entre os
indivíduos e as multidões, um apreço muito maior por tudo quanto diz respeito à
Religião verdadeira, à verdadeira filosofia, à verdadeira arte e à verdadeira
literatura, do que pelo que se relaciona com o bem do corpo e o aproveitamento
da matéria.
Por fim, para demarcar a diferença entre os conceitos
revolucionário e contra-revolucionário de progresso, importa notar que o último
toma em consideração que este mundo será sempre um vale de lágrimas e uma
passagem para o Céu, ao passo que para o primeiro o progresso deve fazer da
terra um paraíso no qual o homem viva feliz, sem cogitar da eternidade.
Pela própria noção de reto progresso, vê-se que este tem por
contrário o progresso da Revolução.
Assim, a Contra-Revolução é condição essencial para que seja
preservado o desenvolvimento normal do verdadeiro progresso, e derrotada a
utopia revolucionaria, que de progresso só tem aparências falaciosas.
Pode-se responder à pergunta em epígrafe de duas maneiras:
Em estado atual, contra-revolucionário é quem:
- Conhece a Revolução, a ordem e a Contra-Revolução em seu
espírito, suas doutrinas, seus métodos respectivos.
- Ama a Contra-Revolução e a ordem cristã, odeia a Revolução
e a “anti-ordem”.
- Faz desse amor e desse ódio o eixo em torno do qual
gravitam todos os seus ideais, preferências e atividades.
Claro está que essa atitude de alma não exige instrução
superior. Assim como Santa Joana D'Arc não era teólogo mas surpreendeu seus
juizes pela profundidade teológica de seus pensamentos, assim os melhores
soldados da Contra-Revolução, animados por uma admirável compreensão do seu
espírito e dos seus objetivos, têm sido muitas vezes simples camponeses, da
Navarra, por exemplo, da Vendéa ou do Tirol.
Em estado potencial, contra-revolucionários são os que têm
uma ou outra das opiniões e dos modos de sentir dos revolucionários, por
inadvertência ou qualquer outra razão ocasional, e sem que o próprio fundo de
sua personalidade esteja afetado pelo espírito da Revolução. Alertadas,
esclarecidas, orientadas, essas pessoas adotam facilmente uma posição
contra-revolucionária. E nisto se distinguem dos “semicontra-revolucionários”
de que atrás falávamos
.
A Tática da Contra-Revolução pode ser considerada em
pessoas, grupos, ou correntes de opinião, em função de três tipos de
mentalidade: o contra-revolucionário atual, o contra-revolucionário potencial e
o revolucionário.
O contra-revolucionário atual é menos raro do que nos parece
à primeira vista. Possui ele uma clara visão das coisas, um amor fundamental à
coerência e um ânimo forte. Por isto tem uma noção lúcida das desordens do
mundo contemporâneo e das catástrofes que se acumulam no horizonte. Mas sua
própria lucidez lhe faz perceber toda a extensão do isolamento em que tão
freqüentemente se encontra, num caos que lhe parece sem solução. Então o
contra-revolucionário, muitas vezes, se cala, abatido. Triste situação: “
Vae soli”, diz a Escritura
.
Uma ação contra-revolucionária deve ter em vista, antes de
tudo, detectar esses elementos, fazer com que se conheçam, com que se apoiem
uns aos outros para a profissão pública de suas convicções. Ela pode
realizar-se de dois modos diversos:
Esta ação deve ser feita antes de tudo na escala individual.
Nada mais eficiente que a tomada de posição contra-revolucionária franca e
ufana de um jovem universitário, de um oficial, de um professor, de um
Sacerdote sobretudo, de um aristocrata ou um operário influente em seu meio. A
primeira reação que obterá será por vezes de indignação. Mas se perseverar por
um tempo que será mais longo, ou menos, conforme as circunstâncias, verá, pouco
a pouco, aparecerem companheiros.
Esses contactos individuais tendem, naturalmente, a suscitar
nos diversos ambientes vários contra-revolucionários que se unem numa família
de almas cujas forças se multiplicam pelo próprio fato da união.
Os contra-revolucionários devem apresentar a Revolução e a
Contra Revolução em todos os seus aspectos, religioso, político, social,
econômico, cultural, artístico, etc. Pois os contra-revolucionários potenciais
as vêem em geral por alguma faceta particular apenas, e por esta podem e devem
ser atraídos para a visão total de uma e de outra. Um contra-revolucionário que
argumentasse apenas em um plano, o político, por exemplo, limitaria muito seu
campo de atração, expondo sua ação à esterilidade, e, pois, à decadência e à
morte.
Em face da Revolução e da Contra-Revolução não há neutros.
Pode haver, isto sim, não combatentes, cuja vontade ou cujas veleidades estão,
porém, conscientemente ou não em um dos dois campos. Por revolucionários
entendemos, pois, não só os partidários integrais e declarados da Revolução,
como também os “semicontra-revolucionários”.
A Revolução tem progredido, como vimos, à custa de ocultar
seu vulto total, seu espírito verdadeiro, seus fins últimos.
O meio mais eficiente de refutá-la junto aos revolucionários
consiste em mostrá-la inteira, quer em seu espírito e nas grandes linhas de sua
ação, quer em cada uma de suas manifestações ou manobras aparentemente
inocentes e insignificantes. Arrancar-lhe, assim, os véus é desferir-lhe o mais
duro dos golpes.
Por esta razão, o esforço contra-revolucionário deve
entregar-se a esta tarefa com o maior empenho.
Secundariamente, é claro, os outros recursos de uma boa dialética
são indispensáveis para o êxito de uma ação contra-revolucionária.
Com o “semicontra-revolucionário”, como aliás também com o
revolucionário que tem “coágulos” contra-revolucionários, há certas
possibilidades de colaboração, e esta colaboração cria um problema especial:
até que ponto é ela prudente? A nosso
ver, a luta contra a Revolução só se desenvolve convenientemente ligando entre
si pessoas radical e inteiramente isentas do vírus desta. Que os grupos contra-revolucionários
possam colaborar com elementos como os acima mencionados, em alguns objetivos
concretos, facilmente se concebe. Mas, admitir uma colaboração onímoda e
estável com pessoas infectadas de qualquer influência da Revolução é a mais
flagrante das imprudências e a causa, talvez, da maior parte dos malogros
contra-revolucionários.
O revolucionário, em via de regra, é petulante, verboso e
afeito à exibição, quando não tem adversários diante de si, ou os tem fracos.
Contudo, se encontra quem o enfrente com ufania e arrojo, ele se cala e
organiza a campanha de silêncio. Um silêncio em meio ao qual se percebe o
discreto zumbir da calúnia, ou algum murmúrio contra o “excesso de lógica” do
adversário, sim. Mas um silêncio confuso e envergonhado que jamais é
entrecortado por alguma réplica de valor. Diante desse silêncio de confusão e
derrota, poderíamos dizer ao contra-revolucionário vitorioso as palavras
espirituosas escritas por Veuillot em outra ocasião: “
Interrogai o silêncio, e ele nada vos responderá”
.
A Contra-Revolução deve procurar, quanto possível,
conquistar as multidões. Entretanto, não deve fazer disso, no plano imediato,
seu objetivo principal, e um contra-revolucionário não tem razão para desanimar
pelo fato de que a grande maioria dos homens não está atualmente de seu lado.
Um estudo exato da História nos mostra, com efeito, que não foram as massas que
fizeram a Revolução. Elas se moveram num sentido revolucionário porque tiveram
atrás de si elites revolucionárias. Se tivessem tido atrás de si elites de
orientação oposta, provavelmente se teriam movido num sentido contrário. O
fator massa, segundo mostra a visão objetiva da História, é secundário; o
principal é a formação das elites. Ora, para essa formação, o
contra-revolucionário pode estar sempre aparelhado com os recursos de sua ação
individual, e pode pois obter bons frutos, apesar da carência de meios
materiais e técnicos com que, às vezes, tenha que lutar.
Em principio, é claro, a ação contra-revolucionária merece
ter à sua disposição os melhores meios de televisão, rádio, imprensa de grande
porte, propaganda racional, eficiente e brilhante. O verdadeiro
contra-revolucionário deve tender sempre à utilização de tais meios, vencendo o
estado de espírito derrotista de alguns de seus companheiros que, de antemão,
abandonam a esperança de dispor deles porque os vêm sempre na posse dos filhos
das trevas.
Entretanto, devemos reconhecer que, in concreto, a ação contra-revolucionária terá de se realizar
muitas vezes sem esses recursos.
Ainda assim, e com meios dos mais modestos, poderá ela
alcançar resultados muito apreciáveis, se tais meios forem utilizados com
retidão de espírito e inteligência. Como vimos, é concebível uma ação
contra-revolucionária reduzida à mera atuação individual. Mas não se pode
concebê-la sem esta última. A qual, por sua vez, desde que bem feita, abre as
portas para todos os progressos.
Os pequenos jornais de inspiração contra-revolucionária,
quando de bom nível, têm uma eficácia surpreendente, principalmente para a
tarefa primordial de fazer com que os contra-revolucionários se conheçam.
Tão ou mais eficientes podem ser o livro, a tribuna e a
cátedra, a serviço da Contra-Revolução.
Os escolhos a evitar entre os contra-revolucionários estão,
muitas vezes, em certos maus hábitos de agentes da Contra-Revolução.
Nas reuniões ou nos impressos contra-revolucionários a
temática deve ser cuidadosamente selecionada. A Contra-Revolução deve mostrar
sempre um aspecto ideológico, mesmo quando trata de questões muito
pormenorizadas e contingentes. Revolver, por exemplo, os problemas
político-partidários da História recente ou da atualidade pode ser útil. Mas
dar excessivo realce a questiúnculas pessoais, fazer da luta com adversários
ideológicos locais o principal da ação contra-revolucionária, apresentar a
Contra-Revolução como se fosse uma simples nostalgia (não negamos, aliás, é
claro, a legitimidade dessa nostalgia) ou um mero dever de fidelidade pessoal,
por mais santo e justo que este seja, é apresentar o particular como sendo o
geral, a parte como sendo o todo, é mutilar a causa que se quer servir.
Outras vezes estes obstáculos estão em “slogans”
revolucionários aceitos, não de raro, como dogmas até nos melhores ambientes.
O mais insistente e nocivo desses “slogans” consiste em
afirmar que em nossa época a Contra-Revolução não pode medrar porque é
contrária ao espírito dos tempos. A História, diz-se, não volta atrás.
A Religião Católica, segundo esse singular princípio, não
existiria. Pois não se pode negar que o Evangelho era radicalmente contrário ao
meio em que Nosso Senhor Jesus Cristo e os Apóstolos o pregaram. E a Espanha
Católica, germano-romana, também não existiria. Pois nada se parece mais com
uma ressurreição, e portanto, de algum modo, com uma volta ao passado, do que a
plena reconstituição da grandeza cristã da Espanha, ao cabo dos oito séculos
que vão de Covadonga até a queda de Granada. A Renascença, tão cara aos
revolucionários, foi, ela mesma, sob vários aspectos pelo menos, a volta a um
naturalismo cultural e artístico fossilizado havia mais de mil anos.
A História comporta vais e vens, portanto, quer nas vias do
bem, quer nas do mal.
Aliás, quando se vê que a Revolução considera algo como
coerente com o espírito dos tempos, é preciso circunspeção. Pois não raras
vezes se trata de alguma velharia dos tempos pagãos, que ela quer restaurar.
O que têm de novo, por exemplo, o divórcio ou o nudismo, a
tirania ou a demagogia, tão generalizados no mundo antigo?
Por que será moderno o divorcista e anacrônico o defensor da
indissolubilidade?
O conceito de “moderno” para a Revolução se cifra no
seguinte: é tudo quanto dê livre curso ao orgulho e ao igualitarismo, bem como
à sede de prazeres e ao liberalismo.
Outro “slogan”: a
Contra-Revolução se define por seu próprio nome como algo de negativo, e
portanto de estéril. Simples jogo de palavras. Pois o espírito humano, partindo
do fato de que a negação da negação importa numa afirmação, exprime de modo
negativo muitos de seus conceitos mais positivos: in-falibilidade, in-dependência, in-nocência,
etc. Lutar por qualquer desses três objetivos seria negativismo, só por causa
da formação negativa em que eles se apresentam? O Concilio do Vaticano, quando
definiu a infalibilidade papal, fez obra negativista? A imaculada Conceição é
prerrogativa negativista da Mãe de Deus?
Se se entende por negativista, de acordo com a linguagem
corrente, algo que insiste em negar, em atacar, e em ter os olhos continuamente
voltados para o adversário, deve-se dizer que a Contra-Revolução, sem ser
apenas negação, tem em sua essência alguma coisa de fundamental e sadiamente negativista.
Constitui ela, como dissemos, um movimento dirigido contra outro movimento, e
não se compreende que, numa luta, um adversário não tenha os olhos postos sobre
o outro e não esteja com ele numa atitude de polêmica, de ataque e
contra-ataque.
O terceiro “slogan” consiste em censurar as obras
intelectuais dos contra-revolucionários, por seu caráter negativista e
polêmico, que as levaria a insistir demais na refutação do erro, em lugar de fazer
a explanação límpida e despreocupada da verdade. Elas seriam, assim,
contraproducentes, pois irritariam e afastariam o adversário. Exceção feita de
possíveis demasias, esse cunho aparentemente negativista tem uma profunda razão
de ser. Segundo o que foi dito neste trabalho, a doutrina da Revolução esteve
contida nas negações de Lutero e dos primeiros revolucionários, mas apenas
muito lentamente se foi explicitando no decorrer dos séculos. De maneira que os
autores contra-revolucionários sentiram, desde o início, e legitimamente,
dentro de todas as formulações revolucionárias, algo que excedia à própria
formulação. Há muito mais a mentalidade da Revolução a considerar em cada etapa
do processo revolucionário, do que simplesmente a ideologia enunciada nessa
etapa. Para fazer trabalho profundo, eficiente, e inteiramente objetivo, é,
pois, necessário acompanhar passo a passo o desenrolar da marcha da Revolução,
num penoso esforço de explicitação das coisas implícitas no processo
revolucionário. Só assim é possível atacar a Revolução como de fato deve ela
ser atacada. Tudo isto tem obrigado os contra-revolucionários a ter
constantemente os olhos postos na Revolução, pensando, e afirmando as suas
teses, em função dos erros dela. Neste duro trabalho intelectual, as doutrinas
de verdade e de ordem existentes no depósito sagrado do Magistério da Igreja
são, para o contra-revolucionário, o tesouro do qual ele vai tirando coisas
novas e velhas
para
refutar a Revolução, à medida que vai vendo mais fundo nos tenebrosos abismos
desta.
Assim, pois, em vários de seus mais importantes aspectos é
sadiamente negativista e polêmico o trabalho contra-revolucionário. É, aliás,
por razões não muito diversas que o Magistério Eclesiástico vai definindo as
verdades, o mais das vezes, em função das diversas heresias que vão surgindo ao
longo da História. E formulando-as como condenação do erro que lhes é oposto.
Assim agindo, a Igreja nunca receou fazer mal às almas.
O esforço contra-revolucionário não deve ser livresco, isto
é, não pode contentar-se com uma dialética com a Revolução no plano puramente
cientifico e universitário. Reconhecendo a esse plano toda a sua grande e até
muito grande importância, o ponto de mira habitual da Contra-Revolução deve ser
a Revolução tal qual ela é pensada, sentida e vivida pela opinião pública em
seu conjunto. E neste sentido os contra-revolucionários devem atribuir uma
importância muito particular à refutação dos “slogans” revolucionários.
A idéia de apresentar a Contra-Revolução sob uma luz mais
“simpática” e “positiva” fazendo com que ela não ataque a Revolução, é o que
pode haver de mais tristemente eficiente para empobrecê-la de conteúdo e de
dinamismo
.
Quem agisse segundo essa lamentável tática mostraria a mesma
falta de senso de um chefe de Estado que, em face de tropas inimigas que
transpõem a fronteira, fizesse cessar toda resistência armada, com o intuito de
cativar a simpatia do invasor e, assim, paralisá-lo. Na realidade, ele anularia
o ímpeto da reação, sem deter o inimigo. Isto é, entregaria a pátria...
Não quer isto dizer que a linguagem do contra-revolucionário
não seja matizada segundo as circunstâncias.
O Divino Mestre, pregando na Judéia, que estava sob a ação
próxima dos pérfidos fariseus, usou de uma linguagem candente. Na Galiléia,
pelo contrário, onde predominava o povo simples e era menor a influência dos
fariseus, sua linguagem tinha um tom mais docente e menos polêmico.
É evidente que, tal como a Revolução, a Contra-Revolução é
um processo, e que portanto se pode estudar a sua marcha progressiva e metódica
para a ordem.
Todavia, há algumas características que fazem essa marcha
diferir profundamente do caminhar da Revolução para a desordem integral. Isto
provém do fato de que o dinamismo do bem e o do mal são radicalmente diversos.
Quando tratamos das duas velocidades da Revolução
,
vimos que algumas almas se empolgam pelas suas máximas num só lance e tiram de
uma vez todas as conseqüências do erro.
E que há outras que vão aceitando lentamente e passo a passo
as doutrinas revolucionárias. Muitas vezes, até, esse processo se desenvolve
com continuidade através das gerações. Um “semicontra-revolucionário” muito
infenso aos paroxismos da Revolução tem um filho menos contrário a estes, um
neto indiferente, e um bisneto plenamente integrado no fluxo revolucionário. A
razão deste fato, como dissemos, está em que certas famílias têm em sua
mentalidade, em seu subconsciente, em seus modos de sentir, um resíduo de
hábitos e fermentos contra-revolucionários que as mantém ligadas, em parte, à
Ordem. A corrupção revolucionária nelas não é tão dinâmica e, por isto mesmo, o
erro só pode progredir em seu espírito passo a passo e como que se disfarçando.
A mesma lentidão de ritmo explica como muitas pessoas mudam
enormemente de opinião no decurso da vida. Quando são adolescentes têm, por
exemplo, a respeito de modas indecentes uma opinião severa, consoante o
ambiente em que vivem. Mais tarde, com o “evoluir” dos costumes num sentido
cada vez mais relaxado, essas pessoas se vão adaptando às sucessivas modas. E
no fim da vida aplaudem trajes que em sua juventude teriam reprovado
fortemente. Chegaram a essa posição porque foram caminhando lenta e
imperceptivelmente através das etapas matizadas da Revolução. Não tiveram a
perspicácia e a energia necessárias para perceberem para onde estava sendo
conduzida a Revolução que se fazia nelas e em torno delas. E, gradualmente,
acabaram chegando talvez tão longe quanto um revolucionário da idade delas que
na adolescência tivesse adotado a primeira velocidade. A verdade e o bem
existem nessas almas num estado de derrota, mas não tão derrotados que, diante
de um grave erro e um grave mal, não possam ter um sobressalto às vezes
vitorioso e salvador que as faça perceber o fundo perverso da Revolução e as
leve a uma atitude categórica e sistemática contra todas as manifestações
desta. É para evitar esses sadios sobressaltos de alma e essas cristalizações
contra-revolucionárias, que a Revolução anda passo a passo.
Se é assim que a Revolução conduz a imensa maioria de suas
vítimas, pergunta-se de que modo pode uma delas desvencilhar-se desse processo;
e se tal modo é diverso do que têm, para se converter à Contra-Revolução, as
pessoas arrastadas pela marcha revolucionária de grande velocidade.
Ninguém pode fixar limites à inexaurível variedade das vias
de Deus nas almas. Seria absurdo reduzir a esquemas assunto tão complexo. Não
se pode pois, nesta matéria, ir além da indicação de alguns erros a evitar e de
algumas atitudes prudentes a propor.
Toda conversão é fruto da ação do Espírito Santo, que,
falando a cada qual segundo suas necessidades, ora com majestosa severidade,
ora com suavidade materna, entretanto nunca mente.
Assim, no itinerário do erro para a verdade, não há para a
alma os silêncios velhacos da Revolução, nem suas metamorfoses fraudulentas.
Nada se lhe oculta do que ela deve saber. A verdade e o bem lhe são ensinados
integralmente pela Igreja. Não é escondendo, sistematicamente, o termo último
de sua formação, mas mostrando-o e fazendo-o desejado sempre mais, que se obtém
dos homens o progresso no bem.
A Contra-Revolução não deve, pois, dissimular seu vulto
total. Ela deve fazer suas as sapientíssimas normas estabelecidas por São Pio X
para o proceder habitual do verdadeiro apóstolo: “
Não é leal nem digno ocultar, cobrindo-a com uma bandeira equívoca, a
qualidade de católico, como se esta fosse mercadoria avariada e de contrabando”
.
Os católicos não devem “
ocultar como que
sob um véu os preceitos mais importantes do Evangelho, temerosos de serem
talvez menos ouvidos, ou até completamente abandonados”
.
Ao que judiciosamente acrescentava o santo Pontífice: “
Sem dúvida, não será alheio à prudência, também ao propor a verdade,
usar de certa contemporização, quando se tratar de esclarecer homens hostis às
nossas instituições e inteiramente afastados de Deus. “
As feridas que é preciso cortar - diz São Gregório - devem antes ser
apalpadas com mão delicada”. Mas essa mesma habilidade assumiria o aspecto de
prudência carnal se erigida em norma de conduta constante e comum; e tanto mais
que desse modo pareceria ter-se em pouca conta a graça divina, que não é
concedida somente ao Sacerdócio e aos seus ministros, mas a todos os fiéis de
Cristo, a fim de que nossas palavras e atos comovam as almas desses homens”
.
Censurando, como o fizemos, o esquematismo nesta matéria,
parece-nos entretanto que a adesão plena e consciente à Revolução, como esta in concreto se apresenta, constitui um
imenso pecado, uma apostasia radical, da qual só por meio de uma conversão igualmente
radical se pode voltar.
Ora, segundo a História, afigura-se que as grandes
conversões se dão o mais das vezes por um lance de alma fulminante, provocado
pela graça ao ensejo de qualquer fato interno ou externo. Esse lance difere em
cada caso, mas apresenta com freqüência certos traços comuns. Concretamente, na
conversão do revolucionário para a Contra-Revolução, ele, não raras vezes e em
linhas gerais, se opera assim:
a.
Na alma empedernida
do pecador que, por um processo de grande velocidade, foi logo ao extremo da
Revolução, restam sempre recursos de inteligência e bom senso, tendências
mais ou menos definidas para o bem. Deus, embora não as prive jamais da graça
suficiente, espera, não raramente, que essas almas cheguem ao mais fundo da
miséria, para lhes fazer ver de uma só vez, como num fulgurante “flash”, a
enormidade de seus erros e de seus pecados. Foi quando desceu a ponto de querer
se alimentar das bolotas dos porcos que o filho pródigo caiu em si e voltou à
casa paterna
.
b.
Na alma tíbia e
míope que vai resvalando lentamente na rampa da Revolução, atuam ainda, não
inteiramente recusados, certos fermentos sobrenaturais; há valores de tradição,
de ordem, de Religião, que ainda crepitam como brasas sob a cinza. Também essas
almas podem, por um sadio sobressalto, num momento de desgraça extrema, abrir
os olhos e reavivar em um instante tudo quanto nelas definhava e ameaçava
morrer: é o reacender-se da mecha que ainda fumega
.
Ora, toda a humanidade se encontra na iminência de uma
catástrofe, e nisto parece estar precisamente a grande ocasião preparada pela
misericórdia de Deus. Uns e outros - os da velocidade rápida ou lenta - neste
terrível crepúsculo em que vivemos, podem abrir os olhos e converte-se a Deus.
O contra-revolucionário deve, pois, aproveitar zelosamente o
tremendo espetáculo de nossas trevas para - sem demagogia, sem exagero, mas
também sem fraqueza - fazer compreender aos filhos da Revolução a linguagem dos
fatos, e assim produzir neles o “flash” salvador. Apontar varonilmente os
perigos de nossa situação é traço essencial de uma ação autenticamente
contra-revolucionária.
Não se trata apenas de apontar o risco de total
desaparecimento da civilização, em que nos encontramos. É preciso saber
mostrar, no caos que nos envolve, a face total da Revolução, em sua imensa
hediondez. Sempre que esta face se revela, aparecem surtos de vigorosa reação.
É por este motivo que, por ocasião da Revolução Francesa, e no decurso do
século XIX, houve na França um movimento contra-revolucionário melhor do que
jamais houvera anteriormente naquele país. Nunca se vira tão bem a face da
Revolução. A imensidade da voragem em que naufragara a antiga ordem de coisas
tinha aberto muitos olhos, subitamente, para toda uma gama de verdades
silenciadas ou negadas, ao longo de séculos, pela Revolução. Sobretudo, o
espírito desta se lhes patenteara em toda a sua malícia, e em todas as suas
conexões profundas com idéias e hábitos durante muito tempo reputados inocentes
pela maioria das pessoas. Assim, o contra-revolucionário deve, com freqüência,
desmascarar o vulto geral da Revolução, a fim de exorcizar o quebranto que esta
exerce sobre suas vítimas.
A quinta-essência do espírito revolucionário consiste, como
vimos, em odiar por princípio, e no plano metafísico, toda desigualdade e toda
lei, especialmente a Lei Moral.
Um dos pontos muito importantes do trabalho
contra-revolucionário é, pois, ensinar o amor à desigualdade vista no plano
metafísico, ao princípio de autoridade, e também à Lei Moral e à pureza; porque
exatamente o orgulho, a revolta e a impureza são os fatores que mais
impulsionam os homens na senda da Revolução
.
a. Obtida a radical modificação do revolucionário em
contra-revolucionário, é a primeira etapa da Contra-Revolução que nele finda.
b. Vem depois uma segunda etapa, que pode ser bastante
lenta, ao longo da qual a alma vai ajustando todas as suas idéias e todos os
seus modos de sentir à posição tomada no ato de sua conversão.
c. E é assim que se pode delinear em muitas almas, em duas
grandes etapas bem diversas, o processo da Contra-Revolução.
Descrevemos as etapas deste processo enquanto realizadas em
uma alma, individualmente considerada. Mutatis
mutandis, elas podem ocorrer também com grandes grupos humanos, e até com
povos inteiros.
Existe uma força propulsora da Contra-Revolução, assim como
existe outra para a Revolução.
Apontamos como a mais potente força propulsora da Revolução,
o dinamismo das paixões humanas desencadeadas num ódio metafísico contra Deus,
contra a virtude, contra o bem e, especialmente, contra a hierarquia e contra a
pureza. Simetricamente, existe também uma dinâmica contra-revolucionária, mas
de natureza inteiramente diversa. As paixões, enquanto tais - tomada aqui a
palavra em seu sentido técnico - são moralmente indiferentes; é o seu
desregramento que as torna más. Porém, enquanto reguladas, elas são boas e
obedecem fielmente à vontade e à razão. E é no vigor de alma que vem ao homem
pelo fato de Deus governar nele a razão, a razão dominar a vontade, e esta
dominar a sensibilidade, que é preciso procurar a serena, nobre e
eficientíssima força propulsora da Contra-Revolução.
Tal vigor de alma não pode ser concebido sem se tomar em
consideração a vida sobrenatural. O papel da graça consiste exatamente em
iluminar a inteligência, em robustecer a vontade e em temperar a sensibilidade
de maneira que se voltem para o bem. De sorte que a alma lucra
incomensuravelmente com a vida sobrenatural, que a eleva acima das misérias da
natureza decaída, e do próprio nível da natureza humana. É nessa força de alma
cristã que está o dinamismo da Contra-Revolução.
Pode-se perguntar de que valor é esse dinamismo. Respondemos
que, em tese, é incalculável, e certamente superior ao da Revolução: “
Omnia possum in eo qui me confortat”
.
Quando os homens resolvem cooperar com a graça de Deus, são
as maravilhas da História que assim se operam: é a conversão do Império Romano,
é a formação da Idade Média, é a reconquista da Espanha a partir de Covadonga,
são todos esses acontecimentos que se dão como fruto das grandes ressurreições
de alma de que os povos são também suscetíveis. Ressurreições invencíveis,
porque não há o que derrote um povo virtuoso e que verdadeiramente ame a Deus.
A Contra-Revolução tem, como uma de suas missões mais
salientes, a de restabelecer ou reavivar a distinção entre o bem e o mal, a
noção do pecado em tese, do pecado original, e do pecado atual. Essa tarefa,
quando executada com uma profunda compenetração do espírito da Igreja, não traz
consigo o risco de desespero da misericórdia Divina, hipocondrismo,
misantropia, etc., de que tanto falam certos autores mais ou menos infiltrados
pelas máximas da Revolução.
Pode-se reavivar a noção do bem e do mal por vários modos,
entre os quais:
* Evitar todas as formulações que tenham o sabor de moral
leiga ou interconfessional, pois o laicismo e o interconfessionalismo conduzem,
logicamente ao amoralismo.
* Salientar, nas ocasiões oportunas, que Deus tem direito de
ser obedecido, e que, pois, seus Mandamentos são verdadeiras leis, a que nos
conformamos em espírito de obediência, e não apenas porque elas nos agradam.
* Acentuar que a Lei de Deus é intrinsecamente boa e
conforme à ordem do universo, na qual se espelha a perfeição do Criador. Pelo
que ela deve ser não só obedecida, mas amada, e o mal deve não só ser evitado,
mas odiado.
* Divulgar a noção de um prêmio e de um castigo post-mortem.
* Favorecer os costumes sociais e leis em que o bem seja
honrado e o mal sofra sanções públicas.
* Favorecer os costumes e as leis que tendam a evitar as
ocasiões próximas de pecado e até mesmo aquilo que, tendo mera aparência de
mal, possa ser nocivo à moralidade pública.
* Insistir sobre os efeitos do pecado original no homem e a
fragilidade deste, sobre a fecundidade da Redenção de Nosso Senhor Jesus
Cristo, bem como sobre a necessidade da graça, da oração e da vigilância para
que o homem persevere.
* Aproveitar todas as ocasiões para apontar a missão da
Igreja como mestra da virtude, fonte da graça, e inimiga irreconciliável do
erro e do pecado.
A Contra-Revolução e a sociedade temporal é tema já tratado
a fundo, de ângulos diversos, em muitas obras de valor. Não podendo abarcá-lo
todo, o presente trabalho se cinge a dar os princípios mais gerais de uma ordem
temporal contra-revolucionária
e a estudar as relações entre a Contra-Revolução e algumas das organizações
mais importantes que lutam por uma boa ordem temporal.
Na sociedade temporal, agem numerosos organismos destinados
a resolver a questão social tendo em vista, direta ou indiretamente o mesmo fim
supremo da Contra-Revolução, a instauração do Reinado de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Dada esta comunidade de fins
,
importa estudar as relações entre a Contra-Revolução e aqueles organismos.
a. Na medida em que as obras em epígrafe normalizam a vida
econômica e social, prejudicam o desenvolvimento do processo revolucionário. E,
neste sentido, são ipso facto, e
ainda que de modo apenas implícito e indireto, auxiliares preciosos da
Contra-Revolução.
b. Contudo, convém, para tal, lembrar algumas verdades que,
infelizmente, não é tão raro encontrar obnubiladas entre os que abnegadamente
se dedicam a essas obras:
* É certo que tais obras podem aliviar, e em certos casos
suprimir as necessidades materiais geradoras de tanta revolta nas massas. Mas o
espírito de Revolução não nasce sobretudo da miséria. Sua raiz é moral, e portanto
religiosa
.
Assim, é preciso que nas obras de que tratamos se fomente, em toda a medida em
que a natureza especial de cada uma o comporte, a formação religiosa e moral,
com especial cuidado no que diz respeito à premunição das almas contra o vírus
revolucionário, tão forte em nossos dias.
* A Igreja, Mãe compassiva, estimula tudo quanto possa
trazer alívio às misérias humanas. Ela não nutre a ilusão de que as eliminará
todas. E prega uma santa conformidade com a doença, a pobreza e outras
privações.
* É certo que nessas obras se apresentam ocasiões preciosas
para criar um clima de compreensão e caridade entre patrões e operários, e
consequentemente se pode operar uma desmobilização dos espíritos prontos já
para a luta de classes. Mas seria errado supor que a bondade desarma sempre a
maldade humana. Nem sequer os benefícios incontáveis de Nosso Senhor em sua
vida terrena conseguiram evitar o ódio que Lhe tiveram os maus. Assim, embora
na luta contra a Revolução se deva de preferência guiar e esclarecer amistosamente
os espíritos, é patente que um combate direto e expresso contra as várias
formas desta - o comunismo, por exemplo - por todos os meios justos e legais, é
licito e, geralmente, até indispensável.
* É particularmente de se observar que essas obras devem
incutir em seus beneficiários ou associados uma verdadeira gratidão pelos
favores recebidos, ou, quando não se trate de favores mas de atos de justiça,
um real apreço pela retidão moral inspiradora de tais atos.
* Nos parágrafos anteriores, tivemos em mente principalmente
o trabalhador. Cumpre salientar que o contra-revolucionário não é
sistematicamente favorável a uma ou a outra classe social. Altamente cioso do
direito de propriedade, ele deve, entretanto, lembrar às classes elevadas que
não lhes basta combater a Revolução nos campos em que esta lhes ataca as
vantagens, e paradoxalmente favorecê-la - como tantas vezes se vê - pelas
palavras ou pelo exemplo, em todos os outros terrenos, como a vida de família,
as praias, piscinas, e outras diversões, as atividades intelectuais,
artísticas, etc. Um operariado que lhes siga o exemplo e lhes aceite as idéias
revolucionárias será forçosamente utilizado pela Revolução contra as elites
“semicontra-revolucionárias”.
* Será igualmente nocivo à aristocracia e à burguesia
vulgarizar-se nas maneiras e nos trajes, para desarmar a Revolução. Uma
autoridade social que se degrada é, também ela, comparável ao sal que não
salga. Só serve para ser atirada à rua e sobre ela pisarem os transeuntes
.
Fá-lo-ão, na maioria dos casos, as multidões cheias de desprezo.
* Conservando-se com dignidade e energia em sua situação,
devem as classes altas ter um trato direto e benévolo com as demais. A caridade
e a justiça praticadas à distancia não bastam para estabelecer entre as classes
relações de amor verdadeiramente cristão.
* Sobretudo lembrem-se os proprietários de que, se há muitas
pessoas dispostas a defender contra o comunismo a propriedade privada
(concebida, é claro, como um direito individual com função também social), é
pelo princípio de que ela é desejada por Deus e intrinsecamente conforme à Lei
natural. Ora, tal princípio tanto se refere à propriedade do patrão quanto à do
operário. Em conseqüência, o mesmo princípio da luta contra o comunismo deve
levar o patrão a respeitar o direito do trabalhador a um salário justo,
condizente com suas necessidades e as de sua família. Convém recordá-lo para
acentuar que a Contra-Revolução não é a defensora apenas da propriedade
patronal, mas da de ambas as classes. Ela não luta por interesses de grupos ou
categoria sociais, mas por princípios.
Referimo-nos com este subtítulo às organizações que não se
dedicam principalmente à construção de uma ordem social boa, mas ao combate
contra o comunismo. Pelos motivos já expostos neste trabalho, reputamos legítimo
e muitas vezes até indispensável tal tipo de organização. É claro que desta
forma não identificamos a Contra-Revolução com abusos que organismos deste tipo
possam ter praticado num ou noutro país.
Entretanto, consideramos que a eficácia
contra-revolucionária de tais organismos pode ser acrescida de muito se,
conservando-se embora em seu terreno especializado, os seus membros tiverem
sempre em vista algumas verdades essenciais:
* Só uma refutação inteligente do comunismo é eficaz. A mera
repetição de “slogans”, mesmo quando inteligentes e hábeis, não basta.
* Essa refutação, nos meios cultos, deve visar os últimos
fundamentos doutrinários do comunismo. É importante apontar o seu caráter
essencial de seita filosófica que deduz de seus princípios uma peculiar
concepção do homem, da sociedade, do Estado, da História, da cultura, etc.
Exatamente como a Igreja deduz da Revelação e da Lei Moral todos os princípios
da civilização e da cultura católica. Entre o comunismo, seita que contém em si
a plenitude da Revolução, e a Igreja, não há, pois, conciliação possível.
* As multidões ignoram o chamado comunismo científico, e não
é a doutrina de Marx que atrai as massas. Uma ação ideológica anticomunista
deve visar, junto ao grande público, um estado de espírito muito difundido, que
dá amiúde aos próprios adversários do comunismo certa vergonha de se voltarem
contra este. Procede tal estado de espírito da idéia, mais ou menos consciente,
de que toda desigualdade é uma injustiça, e de que se deve acabar, não só com
as fortunas grandes, como com as médias, pois se não houvesse ricos também não
haveria pobres. É, como se vê, um resíduo de certas escolas socialistas do
século XIX, perfumado por um sentimentalismo romântico. Daí nasce uma
mentalidade que, professando-se anticomunista, entretanto a si mesma se
intitula, freqüentemente, socialista. Esta mentalidade, cada vez mais poderosa
no Ocidente, constitui um perigo muito maior do que a doutrinação propriamente
marxista. Ela nos conduz lentamente por um declive de concessões que poderão
chegar até o ponto extremo de transformar em repúblicas comunistas as nações de
aquém cortina de ferro. Tais concessões, que deixam ver uma tendência ao
igualitarismo econômico e ao dirigismo, se vão notando em todos os campos. A
iniciativa privada vai sendo sempre mais cerceada. Os impostos de transmissão causa mortis são tão onerosos que em
certos casos o Fisco é o maior herdeiro. As interferências oficiais em matéria
de câmbio, exportação e importação colocam na dependência do Estado todos os
interesses industriais, comerciais e bancários. Nos salários, nos aluguéis, nos
preços, em tudo o Estado intervém. Ele tem industrias, bancos, universidades,
jornais, rádio-emissoras, canais de televisão, etc. E ao mesmo passo que o
dirigismo igualitário vai assim transformando a economia, a imoralidade e o
liberalismo vão dissolvendo a família e preparando o chamado amor livre.
Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um
cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinqüenta ou cem
anos seria comunista.
* O direito de propriedade é tão sagrado que, mesmo se um
regime desse à Igreja toda a liberdade, e até todo o apoio, Ela não poderia
aceitar como lícita uma organização social em que todos os bens fossem
coletivos.
A Contra-Revolução, inimiga da República Universal, também
não é favorável à situação instável e anorgânica criada pela cisão da
Cristandade e pela secularização da vida internacional nos Tempos Modernos.
A plena soberania de cada nação não se opõe a que os povos
que vivem na Igreja, formando uma vasta família espiritual, constituam, para
resolver suas questões no plano internacional, órgãos profundamente impregnados
de espírito cristão e possivelmente presididos por representantes da Santa Sé.
Tais órgãos poderiam também favorecer a cooperação dos povos católicos para o
bem comum em todos os seus aspectos, especialmente no que diz respeito à defesa
da Igreja contra os infiéis, e à proteção da liberdade dos missionários em
terras gentílicas ou dominadas pelo comunismo. Poderiam tais órgãos, por fim,
entrar em contacto com povos não católicos para a manutenção da boa ordem nas
relações internacionais.
Sem negar os importantes serviços que em várias ocasiões
possam ter prestado neste sentido organismos leigos, a Contra-Revolução deve
fazer ver sempre a terrível lacuna que é a laicidade destes, bem como alertar
os espíritos contra o risco de que esses organismos se transformem num germe de
Republica Universal
.
Nesta ordem de idéias, a Contra-Revolução deverá favorecer a
manutenção de todas as sadias características locais, em qualquer terreno, na
cultura, nos costumes, etc.
Mas seu nacionalismo não tem o caráter de depreciação
sistemática do que é de outros, nem de adoração dos valores pátrios como se
fossem desligados do grande acervo da civilização cristã.
A grandeza que a Contra-Revolução deseja para todos os
países só é e só pode ser uma: a grandeza cristã, que implica na preservação
dos valores peculiares a cada um, e no convívio fraterno entre todos.
O contra-revolucionário deve lamentar a paz armada, odiar a
guerra injusta e deplorar a corrida armamentista de nossos dias.
Não tendo, porém, a ilusão de que a paz reinará sempre,
considera uma necessidade deste mundo de exílio a existência da classe militar,
para a qual pede toda a simpatia, todo o reconhecimento, toda a admiração a que
fazem jus aqueles cuja missão é lutar e morrer para o bem de todos
.
A Revolução nasceu, como vimos, de uma explosão de paixões
desregradas, que vai conduzindo à destruição de toda a sociedade temporal, à
completa subversão da ordem moral, à negação de Deus. O grande alvo da
Revolução é, pois, a Igreja, Corpo Místico de Cristo, Mestra infalível da
verdade, tutora da Lei natural e, assim, fundamento último da própria ordem
temporal.
Isto posto, cumpre estudar a relação entre a Instituição
divina que a Revolução quer destruir, e a Contra-Revolução.
A Revolução e a Contra-Revolução são episódios
importantíssimos da História da Igreja, pois constituem o próprio drama da
apostasia e da conversão do Ocidente cristão. Mas, enfim, são meros episódios.
A missão da Igreja não se estende só ao Ocidente, nem se
circunscreve cronologicamente na duração do processo revolucionário. “
Alios ego vidi ventos; alias prospexi animo
procellas”
,
poderia ela dizer ufana e tranqüila em meio às tormentas por que passa hoje. A
Igreja já lutou em outras terras, com adversários oriundos de outras gentes, e
por certo enfrentará ainda, até o fim dos tempos, problemas e inimigos bem
diversos dos de hoje.
Seu objetivo consiste em exercer seu poder espiritual direto
e seu poder temporal indireto, para a salvação das almas. A Revolução foi um
obstáculo que se levantou contra o exercício dessa missão. A luta contra tal
obstáculo concreto, entre tantos outros, não é para a Igreja senão um meio
circunscrito às dimensões do obstáculo - meio importantíssimo, é claro, mas
simples meio.
Assim, ainda que a Revolução não existisse, a Igreja faria
tudo quanto faz para a salvação das almas.
Poderemos elucidar o assunto se compararmos a posição da
Igreja, em face à Revolução e à Contra-Revolução, com a de uma nação em guerra.
Quando Aníbal estava às portas de Roma, foi necessário
levantar e dirigir contra ele todas as forças da República. Era uma reação
vital contra o potentíssimo e quase vitorioso adversário. Roma era apenas a
reação a Aníbal? Como pretendê-lo?
Igualmente absurdo seria imaginar que a Igreja é só a
Contra-Revolução.
Aliás, cumpre esclarecer que a Contra-Revolução não é
destinada a salvar a Esposa de Cristo. Apoiada na promessa de seu Fundador, não
precisa Esta dos homens para sobreviver.
Pelo contrário, a Igreja é que dá vida à Contra-Revolução,
que, sem Ela, nem seria exeqüível, nem sequer concebível.
A Contra-Revolução quer concorrer para que se salvem tantas
almas ameaçadas pela Revolução, e para que se afastem os cataclismos que
ameaçam a sociedade temporal. E para isto deve apoiar-se na Igreja, e
humildemente servi-la, em lugar de imaginar orgulhosamente que A salva.
Se a Revolução existe, se ela é o que é, está na missão da
Igreja, é do interesse da salvação das almas, é capital para maior glória de
Deus que a Revolução seja esmagada.
Tomado o vocábulo Revolução no sentido que lhe damos, a
epígrafe é conclusão óbvia do que dissemos acima. Afirmar o contrário seria
dizer que a Igreja não cumpre sua missão.
A primazia da Igreja entre as forças contra-revolucionárias
é óbvia, se considerarmos o número dos católicos, sua unidade, sua influência
no mundo. Mas esta legítima consideração de recursos naturais tem uma
importância muito secundária. A verdadeira força da Igreja está em ser o Corpo
Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Se a Contra-Revolução é a luta para extinguir a Revolução e
construir a cristandade nova, toda resplendente de fé, de humilde espírito hierárquico
e de ilibada pureza, é claro que isto se fará sobretudo por uma ação profunda
nos corações. Ora, esta ação é obra própria da Igreja, que ensina a doutrina
católica e a faz amar e praticar. A Igreja é, pois, a própria alma da
Contra-Revolução.
Proposição evidente. Se a Revolução é o contrário da Igreja,
é impossível odiar a Revolução (considerada globalmente, e não em algum aspecto
isolado) e combatê-la, sem ipso facto
ter por ideal a exaltação da Igreja.
Pelo que ficou dito, a ação contra-revolucionária envolve
uma reorganização de toda a sociedade temporal: “
Há todo um mundo a ser reconstruído até em seus fundamentos”, disse
Pio XII
,
diante dos escombros de que a Revolução cobriu a terra inteira.
Ora, esta tarefa de uma fundamental reorganização
contra-revolucionária da sociedade temporal, se de um lado deve ser toda
inspirada pela doutrina da Igreja, envolve de outro um sem número de aspectos
concretos e práticos que estão propriamente na ordem civil. E a este título a
Contra-Revolução transborda do âmbito eclesiástico, continuando sempre
profundamente ligada à Igreja no que diz respeito ao Magistério e ao poder
indireto desta.
Na medida em que é apóstolo, o católico é
contra-revolucionário. Mas ele o pode ser de modos diversos.
Pode sê-lo implícita e como que inconscientemente. É o caso
de uma Irmã de Caridade num hospital. Sua ação direta visa a cura dos corpos, e
sobretudo o bem das almas. Ela pode exercer esta ação sem falar de Revolução e
Contra-Revolução. Pode até viver em condições tão especiais que ignore o
fenômeno Revolução e Contra-Revolução. Porém, na medida em que realmente fizer
bem às almas, estará obrigando a retroceder nelas a influência da Revolução, o
que é implicitamente fazer Contra-Revolução.
Numa época como a nossa, toda imersa no fenômeno Revolução e
Contra-Revolução, parece-nos condição de sadia modernidade conhecê-lo a fundo e
tomar diante dele a atitude perspicaz e enérgica que as circunstâncias pedem.
Assim, cremos sumamente desejável que todo apostolado atual,
sempre que for o caso, tenha uma intenção e um tônus explicitamente contra-revolucionário.
Em outros termos, julgamos que o apóstolo realmente moderno,
qualquer que seja o campo a que se dedique, acrescerá muito a eficácia de seu
trabalho se souber discernir a Revolução nesse campo, e marcar
correspondentemente de um cunho contra-revolucionário tudo quanto fizer.
Entretanto, ninguém negará que seja lícito que certas
pessoas tomem como tarefa própria desenvolver nos meios católicos e não
católicos um apostolado especificamente contra-revolucionário. Isto, elas o
farão proclamando a existência da Revolução, descrevendo-lhe o espírito, o
método, as doutrinas, e incitando todos à ação contra-revolucionária.
Fazendo-o, estarão pondo suas atividades a serviço de um
apostolado especializado tão natural e meritório (e por certo mais profundo)
quanto o dos que se especializam na luta contra outros adversários da Igreja,
como o espiritismo ou o protestantismo.
Exercer influência nos mais variados meios católicos ou não
católicos, a fim de alertar os espíritos contra os males do protestantismo, por
exemplo, é certamente legítimo, e necessário a uma ação antiprotestante
inteligente e eficaz. Análogo procedimento terão os católicos que se entreguem
ao apostolado da Contra-Revolução.
Os possíveis excessos desse apostolado - que os pode ter
como outro qualquer - não invalidam o princípio que estabelecemos. Pois “abusus non tollit usum”.
Contra-revolucionários há, enfim, que não fazem apostolado
em senso estrito, pois se dedicam à luta em certos campos como o da ação
especificamente cívico-partidária, ou do combate à Revolução por meio de
empreendimentos econômicos. Trata-se, aliás, de atividades muito relevantes,
que só podem ser vistas com simpatias.
Se empregarmos a palavra Ação Católica no sentido legítimo
que lhe deu Pio XII, isto é, conjunto de associações que, sob a direção da
Hierarquia, colaboram com o apostolado desta, a Contra-Revolução em seus
aspectos religiosos e morais é, a nosso ver, parte importantíssima do programa
de uma Ação Católica sadiamente moderna.
A ação contra-revolucionária pode ser feita, naturalmente,
por uma só pessoa, ou pela conjugação, a título privado, de várias. E, com a
devida aprovação eclesiástica, pode até culminar na formação de uma associação
religiosa especialmente destinada à luta contra a Revolução.
É óbvio que a ação contra-revolucionária no terreno
estritamente partidário ou econômico não faz parte dos fins da Ação católica.
A Contra-Revolução pode aceitar a cooperação de não
católicos? Podemos falar de contra-revolucionários protestantes, muçulmanos,
etc.? A resposta precisa ser muito matizada. Fora da Igreja não existe
autêntica Contra-Revolução
.
Mas podemos admitir que determinados protestantes ou muçulmanos, por exemplo,
se achem no estado de alma de quem começa a perceber toda a malícia da
Revolução e a tomar posição contra ela. De pessoas assim é de esperar-se que
venham a opor à Revolução barreiras por vezes muito importantes: se
corresponderem à graça, poderão tornar-se católicos excelentes e, portanto,
contra-revolucionários eficientes. Enquanto não o forem, em todo caso obstam em
alguma medida à Revolução e podem até fazê-la recuar. No sentido pleno e
verdadeiro da palavra, eles não são contra-revolucionários. Mas pode-se e até
se deve aproveitar a sua cooperação, com o cuidado que, segundo as diretrizes
da Igreja, tal cooperação exige. Particularmente devem ser tomados em linha de
conta pelos católicos os perigos inerentes às associações interconfessionais,
segundo sabiamente advertiu São Pio X: “
Com
efeito, sem falar de outros pontos, são incontestavelmente graves os perigos a
que, por causa de associações desta espécie, os nossos expõem ou com certeza
podem expor, quer a integridade de sua fé, quer a justa obediência às leis e
preceitos da Igreja Católica”
.
O melhor apostolado dito “de conquista” deve ter por objeto
esses não católicos de tendências contra-revolucionárias.
Aqui terminava, em suas anteriores edições, o ensaio Revolução e Contra-Revolução; seguiam-se
apenas as rápidas palavras de piedade e entusiasmo que constituíam a
“Conclusão”.
Transcorrido tão largo tempo de 1959 para cá - repleto de
acontecimentos -, caberia perguntar se, sobre as matérias de que o ensaio
trata, haveria algo mais a dizer hoje. A resposta não poderia deixar de ser
afirmativa. É o que se apresenta em seguida ao leitor.
...“Vinte anos depois”:
o título do romance de Alexandre Dumas - tão apreciado pelos adolescentes do
Brasil até o momento, já distante, em que profundas transformações psicológicas
destruíram o gosto por esse gênero literário - uma associação de imagens o traz
a nosso espírito quando começamos a escrever estas notas.
Voltamo-nos, há pouco, ao ano de 1959. Estamos terminando o
ano de 1976. Já não está longe, pois, o fim da segunda década em que este livro
circula. - Vinte anos...
Neste período, as edições deste ensaio se têm multiplicado
.
Revolução e Contra-Revolução:
não tivemos o intuito de fazer dele um mero estudo. Escrevemo-lo também com a
intenção de que fosse um livro de cabeceira para cerca de uma centena de jovens
brasileiros que nos pediram que lhes orientássemos e coordenássemos os esforços
com vistas aos problemas e aos deveres com que então se defrontavam. Esse
pugilo inicial - semente da futura TFP - se estendeu em seguida pelo território
brasileiro, de dimensões continentais. Circunstâncias propícias favoreceram, pari passu, a formação e o desenvolvimento
de entidades co-irmãs e autônomas por toda a América do Sul. O mesmo foi
acontecendo, depois, nos Estados Unidos, Canadá, Espanha e França. Afinidades
de pensamento e relações cordiais promissoras vêm começando a ligar, mais
recentemente, essa extensa família de entidades, a personalidades e associações
de outros países da Europa. O Bureau
Tradition, Famille, Propriété, fundado em Paris no ano de 1973, se vem
dedicando a fomentar quanto possível os contatos e aproximações daí
decorrentes.
Estes vinte anos foram, pois, de expansão. De expansão, sim,
mas também de intensa luta contra-revolucionária.
Os resultados por essa forma alcançados vêm sendo
consideráveis. Não é este o momento de os enumerar todos
.
Cingimo-nos a dizer que, em cada um dos países onde existe uma TFP ou
organização afim, vem esta combatendo sem tréguas a Revolução, ou seja, mais
especialmente no campo religioso, o chamado esquerdismo católico; e no
temporal, o comunismo. Incluímos como genuíno combate ao comunismo a luta contra
todas as modalidades de socialismo, pois estas são apenas etapas preparatórias
ou formas larvadas daquele. Tal combate tem-se desenvolvido sempre segundo os
princípios, as metas e as normas da Parte II deste estudo
.
Os frutos assim obtidos bem demonstram o acerto do que,
sobre os temas indissociáveis da Revolução e da Contra-Revolução, está dito na
presente obra.
Ao mesmo tempo que se multiplicavam nos cinco continentes as
edições e os frutos de
Revolução e
Contra-Revolução ,
o mundo - impelido pelo processo revolucionário que há quatro séculos o vem
sujeitando - passou por tão rápidas e profundas transformações que, ao lançar
esta nova edição, cabe perguntar, conforme já consignamos, se em função delas
deveria ser retificado ou acrescentado algo em relação ao que foi por nós
escrito em 1959.
Revolução e
Contra-Revolução se situa ora no campo teórico, ora em um campo
teórico-prático muito próximo da pura teoria. Assim, não é de surpreender se, a
nosso juízo, nenhum fato sobreveio de molde a alterar o que no estudo se
contém.
Por certo, muitos métodos e estilos de ação usados pela TFP
brasileira, entidade em vias de se constituir em 1959 - como por suas co-irmãs
- foram substituídos, ou adaptados a circunstâncias novas. E outros foram
inovados. Mas eles se situam, todos, num campo inferior, executivo e prático.
Deles não trata, portanto, Revolução e
Contra-Revolução. De onde não haver modificações a introduzir na obra.
Sem embargo de tudo isto, muito haveria a acrescentar se
quiséssemos relacionar Revolução e
Contra-Revolução com os novos horizontes que a História vem abrindo. Tal
não caberia neste simples aditamento. Pensamos, contudo, que uma resenha do que
fez a Revolução nestes vinte anos, uma mise
au point do panorama mundial transformado por ela pode ser útil para que o
leitor relacione fácil e comodamente o conteúdo do livro com a realidade presente.
É o que passaremos a fazer.
Como vimos
,
três grandes revoluções constituíram as etapas capitais do processo de
demolição gradual da Igreja e da civilização cristã: no século XVI, o
Humanismo, a Renascença e o protestantismo (
I
Revolução); no século XVIII, a Revolução Francesa (
II Revolução); e na segunda década deste século, o Comunismo (
III Revolução).
Essas três revoluções só são compreensíveis como partes de
um imenso todo, isto é, a Revolução.
Sendo a Revolução um processo, obviamente, de 1917 para cá,
a III Revolução continuou sua
caminhada. Encontra-se ela, no momento, em um verdadeiro apogeu.
Comentário
acrescentado pelo Autor em 1992, à margem do texto de 1976:
Crise na III Revolução, fruto inevitável das
utopias marxistas
Na mais ampla das escalas, isto é, na escala internacional,
esse apogeu era notório. Di-lo o texto um pouco mais adiante. Com o recuo do
tempo, o quadro geral desse apogeu pode ser pintado com traços ainda mais
vastos, quer pela extensão e pela população das nações efetiva e plenamente
sujeitas a regimes comunistas, quer pelas impressionantes dimensões da máquina
vermelha de propaganda internacional e pela importância dos partidos comunistas
dos países ocidentais, quer, por fim, pela penetração das tendências comunistas
nos diversos domínios da cultura desses países. Tudo isso, acrescido pelo
pânico mundial gerado pela ameaça atômica que a agressividade soviética,
servida por um poder nuclear incontestável, fazia pairar sobre todos os
continentes.
Tão múltiplos fatores davam origem a uma política de moleza
e de capitulação quase universais em relação a Moscou. As Ostpolitiks alemã e vaticana, o vento mundial de um pacifismo
incondicionalmente desarmamentista, o pulular de slogans e de fórmulas políticas que preparavam tantas burguesias
ainda não comunistas a aceitar o comunismo como fato a ser consumado em um
futuro não distante: todos nós vivemos sob a compressão psicológica desse
otimismo de esquerda, que era enigmático como uma esfinge para os centristas
indolentes, e ameaçador como um Leviatã para quem, como as TFPs e os seguidores
de Revolução e Contra-Revolução em
tantos países, discernia bem o “apocalipse” a que tudo isso ia conduzindo.
Quão poucos eram, então, os que percebiam estar esse Leviatã
carregando em si uma crise in crescendo
que ele não conseguia resolver, porque era o fruto inevitável das utopias
marxistas! A crise veio crescendo e parece ter desintegrado o Leviatã. Mas,
como adiante se verá, essa desintegração difundiu por sua vez, por todo o
universo, uma clima de crise ainda mais letal.
Continuação do texto de 1976:
Considerados os territórios e as populações sujeitos a
regimes comunistas, dispõe a III
Revolução de um império mundial sem precedentes na História. Este império é
fator contínuo de insegurança e de desunião entre as maiores nações
não-comunistas.
De outro lado, estão nas mãos dos líderes da
III Revolução os cordéis que movimentam,
em todo o mundo não-comunista, os partidos declaradamente comunistas e a imensa
rede de criptocomunistas, para-comunistas, inocentes-úteis, infiltrados não só
nos partidos não declaradamente comunistas - socialistas e outros - como ainda
nas igrejas
, nas
organizações profissionais e culturais, nos bancos, na imprensa, na televisão,
no rádio, no cinema, etc.
E, como se tudo isto não bastasse, a III Revolução maneja com terrível eficácia as táticas de conquista
psicológica de que adiante falaremos. Por meio destas, o comunismo vem
conseguindo reduzir a um torpor displicente e abobado imensas parcelas
não-comunistas da opinião pública ocidental. Tais táticas permitem à III Revolução esperar, neste terreno,
sucessos ainda mais marcantes, e desconcertantes para os observadores que
analisam os fatos de fora dela.
A inércia, quando não a ostensiva e substanciosa colaboração
de tantos governos “democráticos” e sorrateiras forças econômicas particulares
do Ocidente, com o comunismo assim poderoso, compõe um terrível quadro de
conjunto diante do qual vive o mundo de hoje.
Nestas condições, se
o curso do processo revolucionário continuar como até aqui, é humanamente
inevitável que o triunfo geral da III
Revolução acabe se impondo ao mundo inteiro. - Dentro de quanto tempo?
Muitos se assustarão caso, a título de mera hipótese, sugiramos mais vinte
anos. Parecer-lhes-á surpreendentemente exíguo o prazo. Na realidade, quem
poderá garantir que esse desenlace não sobrevenha dentro de dez ou cinco anos,
ou antes ainda?
A proximidade, a eventual iminência desta grande hecatombe é
sem dúvida uma das notas que, comparados os horizontes de 1959 com os de 1976,
indicam maior transformação na conjuntura mundial.
Se bem que esteja nas mãos dos mentores da III Revolução lançar-se, de um momento
para outro, numa aventura para a conquista completa do mundo por uma série de
guerras, de cartadas políticas, de crises econômicas e de revoluções
sangrentas, é bem de ver que tal aventura apresenta consideráveis riscos. Os
mentores da III Revolução só
aceitarão de os correr caso isto lhes pareça indispensável.
Com efeito, se o emprego contínuo dos métodos clássicos
levou o comunismo ao atual fastígio de poder sem expor o processo
revolucionário senão a riscos cuidadosamente circunscritos e calculados, é
explicável que os guias da Revolução mundial esperem alcançar a cabal dominação
do mundo sem sujeitar sua obra ao risco de catástrofes irremediáveis, inerente
a toda grande aventura.
Ora, o sucesso dos costumeiros métodos da III Revolução está comprometido pelo
surgimento de circunstâncias psicológicas desfavoráveis, as quais se acentuaram
fortemente ao longo dos últimos vinte anos. - Tais circunstâncias forçarão o
comunismo a optar, daqui por diante, pela aventura?
Comentário
acrescentado em 1992:
“Perestroika” e “glasnost”: desmantelamento da III
Revolução, ou metamorfose do comunismo?
No ocaso do ano de 1989, aos supremos dirigentes do
comunismo internacional, pareceu afinal chegado o momento de lançar uma imensa
cartada política, a maior da história do comunismo. Esta consistiria em
derrubar a cortina de ferro e o Muro de Berlim, o que, produzindo seus efeitos
de forma simultânea à execução dos programas “liberalizantes” da glasnost (1985) e da perestroika (1986), precipitaria o
aparente desmantelamento da III Revolução
no mundo soviético.
Por sua vez, tal desmantelamento atrairia para seu supremo
promotor e executor, Mikhail Gorbachev, a simpatia enfática e a confiança sem
reservas das potências econômicas estatais e de muitos dos poderes econômicos
privados do Primeiro Mundo.
A partir disto, o Kremlin poderia esperar um fluxo
assombroso de recursos financeiros a favor de suas vazias arcas. Essas esperanças
foram muito amplamente confirmadas pelos fatos, proporcionando a Gorbachev e à
sua equipe a possibilidade de continuar flutuando, com o timão na mão, sobre o
mar de miséria, de indolência e de inação, em face do qual a infeliz população
russa, sujeita até há pouco ao capitalismo de Estado integral, vai se havendo,
até o momento, com uma passividade desconcertante. Passividade esta propícia à
generalização do marasmo, do caos, e quiçá à formação de uma crise conflitual
interna suscetível, por sua vez, de degenerar em uma guerra civil... ou mundial
.
Foi neste quadro que irromperam os sensacionais e brumosos
acontecimentos de agosto de 1991, protagonizados por Gorbachev, Yeltsin e
outros co-autores dessa jogada, que abriram caminho à transformação da URSS
numa frouxa confederação de Estados e depois ao seu desmantelamento.
Fala-se da eventual queda do regime de Fidel Castro em Cuba
e da possível invasão da Europa Ocidental por hordas de famintos vindos do
Leste e do Magreb. As diversas tentativas de incursão de desvalidos albaneses
na Itália teriam sido como que um primeiro ensaio desta nova “invasão de
bárbaros” na Europa.
Não falta quem, na Península Ibérica como em outros países
da Europa, veja estas hipóteses em um comum panorama com a ação de presença de
multidões de maometanos, despreocupadamente admitidos em anos anteriores em
vários pontos desse continente, e com os projetos de construção de uma ponte
sobre o Estreito de Gibraltar, ligando o Norte da África ao território
espanhol, o que favoreceria por sua vez mais outras invasões muçulmanas na Europa.
Curiosa semelhança de efeitos da derrubada da cortina de
ferro e da construção dessa tal ponte: ambas abririam o continente europeu para
invasões análogas às que Carlos Magno repeliu vitoriosamente, isto é, as de
hordas bárbaras ou semibárbaras vindas do leste e hordas maometanas
provenientes de regiões ao Sul do continente europeu.
Dir-se-ia quase que o quadro pré-medieval se recompõe. Mas
algo falta: é o ardor de fé primaveril nas populações católicas chamadas a
fazer frente simultaneamente a estes dois impactos. Mas, sobretudo, falta
alguém: onde encontrar hoje em dia um homem com o estofo de Carlos Magno?
Se imaginarmos o desenvolvimento das hipóteses acima
enunciadas, cujo principal cenário seria o Ocidente, sem dúvida nos assombrarão
a magnitude e a dramaticidade das conseqüências que as mesmas trariam consigo.
Entretanto, esta visão de conjunto nem de longe abarca a
totalidade dos efeitos que vozes autorizadas, procedentes de círculos intelectuais
sensivelmente opostos entre si e de imparciais órgãos de comunicação, nos
anunciam nestes dias.
Por exemplo, a crescente oposição entre países consumidores
e países pobres. Ou, em outros termos, entre nações ricas industrializadas e
outras que são meras produtoras de matérias-primas.
Nasceria daí um entrechoque de proporções mundiais entre
ideologias diversas, agrupadas, de um lado em torno do enriquecimento
indefinido, e de outro do subconsumo miserabilista. À vista desse eventual
entrechoque, é impossível não recordar a luta de classes preconizada por Marx.
E daí surge naturalmente uma pergunta: será essa luta uma projeção, em termos
mundiais, de um embate análogo ao que Marx concebeu sobretudo como um fenômeno
sócio-econômico dentro das nações, conflito este no qual participaria cada uma
destas com características próprias?
Nessa hipótese, a luta entre o Primeiro Mundo e o Terceiro
passará a servir de camuflagem mediante a qual o marxismo, envergonhado de seu
catastrófico fracasso sócio-econômico e metamorfoseado, trataria de obter, com
renovadas possibilidades de êxito, a vitória final? Vitória essa que, até o
momento, escapou das mãos de Gorbachev, o qual, embora certamente não seja o
doutor, é pelo menos uma mescla de bardo e de prestidigitador da perestroika...
Da perestroika,
sim, da qual não é possível duvidar que seja um requinte do comunismo, pois o
confessa seu próprio autor no ensaio propagandístico “Perestroika – Novas idéias para o meu país e o mundo” (Ed. Best
Seller, São Paulo, 1987, p. 35): “A
finalidade desta reforma é garantir .... a transição de um sistema de direção
excessivamente centralizado e dependente de ordens superiores para um sistema
democrático baseado na combinação de centralismo democrático e autogestão”.
Autogestão esta que, de mais a mais, era “o
objetivo supremo do Estado soviético”,
segundo estabelecia a própria Constituição da ex-URSS em seu Preâmbulo.
Continuação do texto de 1976:
Examinemos antes de tudo essas circunstâncias.
A primeira delas é o “declínio do poder persuasório do
proselitismo comunista”.
Tempo houve em que a doutrinação explícita e categórica foi,
para o comunismo internacional, o principal meio de recrutamento de adeptos.
Em largos setores da opinião pública e em quase todo o
Ocidente, por motivos que seria longo enumerar, as condições se tornaram hoje,
em muito ponderável medida, infensas a tal doutrinação. Decresceu visivelmente
o poder persuasivo da dialética e da propaganda comunista doutrinária integral
e ostensiva.
Assim se explica que, em nossos dias, a propaganda comunista
procure cada vez mais fazer-se de modo camuflado, suave e lento. Tal camuflagem
se faz ora difundindo os princípios marxistas, esparsos e velados, na
literatura socialista, ora insinuando na própria cultura que chamaríamos
“centrista” princípios que, à maneira de germens, se multiplicam levando os
centristas à inadvertida e gradual aceitação de toda a doutrina comunista.
À diminuição do poder persuasivo direto do credo vermelho
sobre as multidões, que o recurso a esses meios oblíquos, lentos e trabalhosos
denota, junta-se um correlato declínio no poder de liderança revolucionária do
comunismo.
Examinemos como se manifestam esses fenômenos correlatos e
quais os frutos deles.
a. Ódio, luta de classes, Revolução
Essencialmente, o movimento comunista é e se considera uma
revolução nascida do ódio de classes. A violência é o método mais coerente com
ela. É o método direto e fulminante, do qual os mentores do comunismo
esperavam, com o mínimo de riscos de fracasso, o máximo de resultados, no
mínimo de tempo.
O pressuposto deste método é a capacidade de liderança dos
vários PCs, pela qual lhes era dado criar descontentamentos, transformar estes
descontentamentos em ódios, articular estes ódios numa imensa conjuração, e
levar assim a cabo, com a força “atômica” do ímpeto desses ódios, a demolição
da ordem atual e a implantação do comunismo.
b. Declínio da liderança do ódio, e do uso da violência
Ora, também esta liderança do ódio vai escapando das mãos
dos comunistas.
Não nos alongamos aqui na explicação das complexas causas do
fato. Limitamo-nos a notar que, no transcurso destes vinte anos, a violência
foi dando aos comunistas vantagens cada vez menores. Para prová-lo, basta
lembrar o malogro invariável das guerrilhas e do terrorismo disseminados por
Cuba em toda a América Latina.
É bem verdade que, na África, a violência vem arrastando
quase todo o continente em direção ao comunismo. Mas esse fato muito pouco diz
a respeito das tendências da opinião pública no resto do mundo. Pois o
primitivismo da maior parte das populações aborígines daquele continente as
coloca em condições peculiares e inconfundíveis. E a violência ali não tem
obtido adeptos por motivações principalmente ideológicas, mas também por
ressentimentos anticolonialistas, dos quais a propaganda comunista soube
valer-se com sua costumeira astúcia.
c. Fruto e prova desse declínio: a
III Revolução se metamorfoseia em revolução risonha
A prova mais clara de que a III Revolução vem perdendo nos últimos vinte ou trinta anos sua
capacidade de criar e liderar o ódio revolucionário é a metamorfose que ela se
impôs.
Quando do degelo pós-stalianiano com o Ocidente, a III Revolução afivelou uma sorridente
máscara, de polêmica se tornou dialogante, simulou estar mudando de mentalidade
e de atitude, e se abriu para toda espécie de colaborações com os adversários
que antes tentava esmagar pela violência.
Na esfera internacional, a Revolução passou assim,
sucessivamente, da guerra fria para a coexistência pacífica, depois para a
“queda das barreiras ideológicas”, e por fim para a franca colaboração com as
potências capitalistas, rotulada, no linguajar publicitário, de Ostpolitik ou de détente.
Na esfera interna dos vários países do Ocidente, a “politique de la main tendue”, que fora,
na era de Stalin, um mero artifício para embair pequenas minorias católicas
esquerdistas, transformou-se numa verdadeira détente entre comunistas e pró-capitalistas, meio ideal usado pelos
vermelhos para entabular relações cordiais e aproximações dolosas com todos os
seus adversários, quer pertençam estes à esfera espiritual, quer à temporal.
Veio daí uma série de táticas “amistosas”, como a dos companheiros de viagem, a
do eurocomunismo legalista, afável e prevenido em relação a Moscou, a do
compromisso histórico, etc.
Como já dissemos, todos estes estratagemas apresentam, hoje
em dia, vantagens para a III Revolução.
Mas estas são lentas, graduais, e subordinadas, em sua frutificação, a mil
fatores variáveis.
No auge de seu poder, a III
Revolução deixou de ameaçar e agredir, e passou a sorrir e pedir. Ela
deixou de avançar em cadência militar e usando botas de cossaco, para progredir
lentamente, com passo discreto. Ela abandonou o caminho reto - sempre o mais
curto - e escolheu um ziguezague no decurso do qual não faltam incertezas.
- Que imensa transformação em vinte anos!
C. Objeção: os sucessos comunistas na Itália e na
França
Mas - dirá alguém - os sucessos alcançados pelo comunismo
por meio da aludida tática, quer na Itália, quer na França, não permitem
afirmar que o mesmo esteja em retrocesso no mundo livre. Ou que, pelo menos,
seu progresso seja mais lento do que o do carrancudo comunismo das eras de
Lenine e de Stalin.
Antes de tudo, a tal objeção deve-se responder que as
eleições gerais na Suécia, Alemanha Ocidental e Finlândia, bem como as eleições
regionais e a atual instabilidade do gabinete trabalhista na Inglaterra, falam
bem da inapetência das grandes massas em relação aos “paraísos” socialistas, à
violência comunista, etc.
Há expressivos sintomas de que o exemplo desses países já
começou a repercutir naquelas duas grandes nações católicas e latinas da Europa
Ocidental, prejudicando assim os progressos comunistas.
Mas, a nosso ver, é preciso sobretudo pôr em dúvida a
autenticidade comunista das crescentes votações obtidas pelo PC italiano ou
pelo PS francês (e falamos do PS, já que o PC francês se acha estagnado).
Quer um quer outro partido (PSF e PCI) está longe de se ter
beneficiado apenas do voto de seu próprio eleitorado. Apoios católicos
certamente consideráveis - e cuja amplitude real só a História revelará um dia
em toda a extensão - têm criado, em torno do PC italiano, ilusões, fraquezas,
atonias e cumplicidades inteiramente excepcionais. A projeção eleitoral dessas
circunstâncias espantosas e artificiais explica, em larga medida, o crescimento
do número de votantes pró-PC, muitos dos quais não são de nenhum modo eleitores
comunistas. E cumpre não esquecer, na mesma ordem de fatos, a influência na
votação, direta ou indireta, de certos Cresos, cuja atitude francamente
colaboracionista em relação ao comunismo dá ocasião a manobras eleitorais das
quais a III Revolução tira óbvio
proveito. Análogas observações podem ser feitas em relação ao PS francês.
Para melhor apreendermos o alcance dessas imensas transformações
ocorridas no quadro da III Revolução
nos últimos vinte anos, será necessário analisarmos em seu conjunto a grande
esperança atual do comunismo, que é a guerra revolucionária psicológica.
Embora nascido necessariamente do ódio, e voltado por sua própria
lógica interna para o uso da violência exercida por meio de guerras, revoluções
e atentados, o comunismo internacional se viu compelido por grandes
modificações em profundidade da opinião pública, a dissimular seu rancor, bem
como a fingir ter desistido das guerras e das revoluções. Já o dissemos.
Ora, se tais desistências fossem sinceras, de tal maneira
ele se desmentiria a si próprio, que se autodemoliria.
Longe disto, usa ele o sorriso tão-somente como arma de
agressão e de guerra, e não extingue a violência, mas a transfere do campo de
operação do físico e palpável, para o das atuações psicológicas impalpáveis.
Seu objetivo: alcançar, no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a
vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo de conquistar de modo
drástico e visível, segundo os métodos clássicos.
Bem entendido, não se trata aqui de efetuar, no campo do
espírito, algumas operações esparsas e esporádicas. Trata-se, pelo contrário,
de uma verdadeira guerra de conquista - psicológica, sim, mas total - visando o
homem todo, e todos os homens em todos os países.
Comentário acrescentado
em 1992:
Guerra psicológica revolucionária: “revolução
cultural” e Revolução nas tendências
Como uma modalidade de guerra psicológica revolucionária, a
partir da rebelião estudantil da Sorbonne, em maio de 1968, numerosos autores
socialistas e marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma
forma de revolução prévia às transformações políticas e sócio-econômicas, que
operasse na vida cotidiana, nos costumes, nas mentalidades, nos modos de ser,
de sentir e de viver. É a chamada “revolução cultural”.
Consideram eles que esta revolução, preponderantemente
psicológica e tendencial, é uma etapa indispensável para se chegar à mudança de
mentalidade que tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois,
sem tal preparação, a transformação revolucionária e as conseqüentes “mudanças
de estrutura” tornar-se-iam efêmeras.
O referido conceito de “revolução cultural” abarca, com
impressionante analogia, o mesmo campo já designado por Revolução e Contra-Revolução, em 1959, como próprio da Revolução
nas tendências (Cfr. parte I, cap. 5.).
Continuação do texto
de 1976:
Insistimos neste conceito de guerra revolucionária
psicológica total.
Com efeito, a guerra psicológica visa a psique toda do
homem, isto é, “trabalha-o” nas várias potências de sua alma, e em todas as
fibras de sua mentalidade.
Ela visa todos os homens, isto é, tanto partidários ou
simpatizantes da III Revolução,
quanto neutros ou até adversários.
Ela lança mão de todos os meios, a cada passo é-lhe
necessário dispor de um fator específico para levar insensivelmente cada grupo
social e até cada homem a se aproximar do comunismo, por pouco que seja. E isto
em qualquer terreno: nas convicções religiosas, políticas, sociais e
econômicas, nas impostações culturais, nas preferências artísticas, nos modos
de ser e de agir em família, na profissão, na sociedade.
Dadas as atuais dificuldades do recrutamento ideológico da III Revolução, o mais útil de suas
atividades se exerce, não sobre os amigos e simpatizantes, mas sobre os neutros
e os adversários:
a) iludir e adormecer paulatinamente os neutros ;
b) dividir a cada passo, desarticular, isolar, aterrorizar,
difamar, perseguir e bloquear os adversários;
- essas são, a nosso ver, as duas grandes metas da guerra
psicológica revolucionária.
Desta maneira, a III
Revolução torna-se capaz de vencer, porém mais pelo aniquilamento do
adversário do que pela multiplicação dos amigos.
Obviamente, para conduzir esta guerra, mobiliza o comunismo
todos os meios de ação com que conta, nos países ocidentais, graças ao apogeu
em que nestes se acha a ofensiva da III
Revolução.
A guerra psicológica revolucionária total é, portanto, uma
resultante da composição dos dois fatores contraditórios que já mencionamos: o
auge de influência do comunismo sobre quase todos os pontos-chaves da grande
máquina que é a sociedade ocidental, e de outro lado o declínio da capacidade
de persuasão e de liderança dele sobre as camadas profundas da opinião pública
do Ocidente.
Não seria possível descrever esta guerra psicológica sem
tratar acuradamente do seu desenrolar naquilo que é a própria alma do Ocidente,
ou seja, o cristianismo, e mais precisamente a Religião Católica, que é o
cristianismo em sua plenitude absoluta e em sua autenticidade única.
Dentro da perspectiva de Revolução
e Contra-Revolução, o êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo
pós-staliniano sorridente foi o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso
e apocalipticamente trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo.
Este Concílio se quis pastoral e não dogmático. Alcance
dogmático ele realmente não o teve. Além disto, sua omissão sobre o comunismo
pode fazê-lo passar para a História como o Concílio a-pastoral.
Explicamos o sentido especial em que tomamos esta afirmação.
Figure-se o leitor um imenso rebanho enlanguescendo em
campos pobres e áridos, atacado de todas as partes por enxames de abelhas,
vespas, aves de rapina.
Os pastores se põem a regar a pradaria e a afastar os
enxames. - Esta atividade pode ser qualificada de pastoral? - Em tese, por
certo. Porém, na hipótese de que, ao mesmo tempo, o rebanho estivesse sendo
atacado por matilhas de lobos vorazes, muitos deles com peles de ovelha, e os pastores
se omitissem completamente de desmascarar ou de afugentar os lobos, enquanto
lutavam contra insetos e aves, sua obra poderia ser considerada pastoral, ou
seja, própria de bons e fiéis pastores?
Em outros termos, atuaram como verdadeiros Pastores aqueles
que, no Concílio Vaticano II, quiseram espantar os adversários minores, e impuseram livre curso - pelo
silêncio - a favor do adversário maior?
Com táticas aggiornate
- das quais, aliás, o mínimo que se pode dizer é que são contestáveis no plano
teórico e se vêm mostrando ruinosas na prática - o Concílio Vaticano II tentou
afugentar, digamos, abelhas, vespas e aves de rapina. Seu silêncio sobre o
comunismo deixou aos lobos toda a liberdade. A obra desse Concílio não pode
estar inscrita, enquanto efetivamente pastoral, nem na História, nem no Livro
da Vida.
É penoso dizê-lo. Mas a evidência dos fatos aponta, neste
sentido, o
Concílio Vaticano II como
uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja
.
A partir dele penetrou na Igreja, em proporções impensáveis, a “
fumaça de Satanás”, que se vai dilatando
dia a dia mais, com a terrível força de expansão dos gases. Para escândalo de
incontáveis almas, o Corpo Místico de Cristo entrou no sinistro processo da
como que autodemolição.
Comentário acrescentado
em 1992:
Surpreendentes calamidades na fase pós-conciliar da Igreja
Sobre as calamidades na fase pós-conciliar da Igreja, é de
fundamental importância o depoimento histórico de Paulo VI na Alocução “Resistite fortes in fide”, de 29 de
junho de 1972, que citamos aqui na versão da Poliglotta Vaticana: “Referindo-se à situação da Igreja de hoje,
o Santo Padre afirma ter a sensação de que ‘por alguma fissura tenha entrado a
fumaça de Satanás no templo de Deus’. Há – transcreve a Poliglotta – a dúvida, a incerteza, o complexo dos
problemas, a inquietação, a insatisfação, o confronto. Não se confia mais na
Igreja; confia-se no primeiro profeta profano [estranho à Igreja] que nos venha
falar, por meio de algum jornal ou movimento social, a fim de correr atrás dele
e perguntar-lhe se tem a fórmula da verdadeira vida. E não nos damos conta de
já a possuirmos e sermos mestres dela. Entrou a dúvida em nossas consciências,
e entrou por janelas que deviam estar abertas à luz. ....
“Também na Igreja
reina este estado de incerteza. Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um
dia ensolarado para a História da Igreja. Veio, pelo contrário, um dia cheio de
nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação, de incerteza. Pregamos o
ecumenismo, e nos afastamos sempre mais uns dos outros. Procuramos cavar
abismos em vez de soterrá-los.
“Como aconteceu isto?
O Papa confia aos presentes um pensamento seu: o de que tenha havido a
intervenção de um poder adverso. Seu nome é diabo, este misterioso ser a que
também alude São Pedro em sua Epístola” (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X,
pp. 707-709).
Alguns anos antes, o mesmo Pontífice, na Alocução aos alunos
do Seminário Lombardo, no dia 7 de dezembro de 1968, havia afirmado que “a Igreja atravessa hoje um momento de
inquietação. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição. É
como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado
depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos
conceitos amadurecidos na grande assembléia conciliar. Há ainda este aspecto na
Igreja, o do florescimento. Mas, posto que ‘bonum ex integra causa, malum ex
quocumque defectu’, fixa-se a atenção mais especialmente sobre o aspecto
doloroso. A Igreja é golpeada também pelos que dEla fazem parte” (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia
Poliglotta Vaticana, vol. VI, p. 1188).
Sua Santidade João Paulo II traçou também um panorama
sombrio da situação da Igreja: “É
necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que
os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos, confusos, perplexos e
até desiludidos: foram divulgadas prodigamente idéias contrastantes com a
Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras e
próprias heresias, no campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e
rebeliões; alterou-se até a Liturgia; imersos no ‘relativismo’ intelectual e
moral e por conseguinte no permissivismo, os cristãos são tentados pelo
ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um
cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem moral objetiva”
(Alocução de 6-2-81 aos Religiosos e Sacerdotes participantes do I Congresso
Nacional Italiano sobre o tema “Missões
ao Povo para os Anos 80”, in “L’Osservatore Romano”, 7-2-81).
Em sentido semelhante pronunciou-se posteriormente o Emmo.
Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da
Fé: “Os resultados que se seguiram ao
Concílio parecem cruelmente opostos às expectativas de todos, a começar do papa
João XXIII e depois de Paulo VI. .... Os Papas e os Padres conciliares
esperavam uma nova unidade católica e, pelo contrário, se caminhou para uma
dissensão que – para usar as palavras de Paulo VI – pareceu passar da autocrítica
à autodemolição. Esperava-se um novo entusiasmo e, em lugar dele, acabou-se com
demasiada freqüência no tédio e no desânimo. Esperava-se um salto para a frente
e, em vez disso, encontramo-nos ante um processo de decadência progressiva
....”. E conclui: “Afirma-se com
letras claras que uma real reforma da Igreja pressupõe um inequívoco abandono
das vias erradas que levaram a conseqüências indiscutivelmente negativas”
(cfr. Vittorio Messori, A coloquio con il
cardinale Ratzinger, Rapporto sulla fede, Edizioni Paoline, Milano, 1985,
pp. 27-28).
Continuação do texto
de 1976:
A História narra os inúmeros dramas que a Igreja vem
sofrendo nos vinte séculos de sua existência. Oposições que germinaram fora
dela, e de fora mesmo tentaram destruí-la. Tumores formados dentro dela, por
ela cortados, e que já então de fora para dentro tentaram destruí-la com
ferocidade.
- Quando, porém, viu a História, antes de nossos dias, uma
tentativa de demolição da Igreja, já não mais feita por um adversário, mas
qualificada de “
autodemolição” em
altíssimo pronunciamento de repercussão mundial?
Daí resultou para a Igreja e para o que ainda resta de
civilização cristã, uma imensa derrocada. A Ostpolitik
vaticana, por exemplo, e a infiltração gigantesca do comunismo nos meios católicos,
são efeitos de todas estas calamidades. E constituem outros tantos êxitos da
ofensiva psicológica da III Revolução
contra a Igreja.
Comentário acrescentado
em 1992:
A Ostpolitik vaticana: efeitos também surpreendentes
Hoje em dia, lendo estas linhas sobre a Ostpolitik, alguém poderia perguntar, ante a enorme transformação
que houve na Rússia, se esta não resulta de uma jogada “genial” da Hierarquia
eclesiástica. O Vaticano, baseado em informações do melhor quilate, teria
previsto que o comunismo, corroído por crises internas, começaria por sua vez a
autodemolir-se. E, para estimular o quartel-general mundial do ateísmo
materialista a praticar essa autodemolição, a Igreja Católica, situada no outro
extremo do panorama ideológico, teria simulado sua própria autodemolição. Com
isto teria atenuado muito sensivelmente a perseguição que então sofria da parte
do comunismo: entre moribundos certas conivências seriam concebíveis. A
flexibilização da Igreja teria, pois, criado condições para a flexibilização do
mundo comunista.
Caberia responder que, se a Sagrada Hierarquia tinha noção
de que o comunismo estava em condições tais de indigência e de ruína que seria
obrigado a se autodemolir, ela deveria denunciar essa situação e convocar todos
os povos do Ocidente a preparar as vias do que seria o saneamento da Rússia e
do mundo, quando o comunismo caísse efetivamente, e não deveria calar sobre o
fato deixando que o fenômeno se produzisse à margem da influência católica e da
cooperação generosa e solícita dos governos ocidentais. Pois só fazendo tal
denúncia seria possível evitar que o desmoronamento soviético chegasse à
situação na qual se encontra hoje, isto é, um beco sem saída, onde tudo é
miséria e imbloglio.
De qualquer forma, é falso que a autodemolição da Igreja
tenha apressado a autodemolição do comunismo, a menos que se suponha a
existência de um tratado oculto entre ambos nesse sentido – uma espécie de
pacto suicida -, tratado esse, para dizer pouco, carente de legitimidade e
utilidade para o mundo católico. Isto para não mencionar tudo quanto essa mera
hipótese contém de ofensivo aos Papas em cujos pontificados esta dupla
eutanásia se teria verificado.
Continuação do texto
de 1976:
Em 1959, quando escrevemos Revolução e Contra-Revolução, a Igreja era tida como a grande força
espiritual contra a expansão mundial da seita comunista. Em 1976, incontáveis
eclesiásticos, inclusive Bispos, figuram como cúmplices por omissão,
colaboradores e até propulsores da III
Revolução. O progressismo, instalado por quase toda parte, vai convertendo
em lenha facilmente incendiável pelo comunismo a floresta outrora verdejante da
Igreja Católica.
Em uma palavra, o alcance desta transformação é tal, que não
hesitamos em afirmar que o centro, o ponto mais sensível e mais verdadeiramente
decisivo da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução se deslocou da
sociedade temporal para a espiritual, e passou a ser a Santa Igreja, na qual,
de um lado, progressistas, criptocomunistas e pró-comunistas, e de outro lado,
antiprogressistas e anticomunistas se confrontam
.
À vista de tantas transformações, a eficácia de Revolução e Contra-Revolução ficou
anulada? - Pelo contrário.
Em 1968, as TFPs até então existentes na América do Sul,
inspiradas na Parte II deste ensaio - “A
Contra-Revolução” - organizaram um conjunto de abaixo-assinados a Paulo VI,
pedindo providências contra a infiltração esquerdista no Clero e no laicato
católico da América do Sul.
No seu total, esses abaixo-assinados alcançaram durante o
período de 58 dias, no Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, 2.060.368
assinaturas. Foi, até aqui, ao que nos conste, o único abaixo-assinado de massa
que - sobre qualquer tema - tenha englobado filhos de quatro nações da América
do Sul. E em cada um dos países nos quais ele se realizou, foi - também ao que
nos conste - o maior abaixo-assinado da respectiva história
.
A resposta de Paulo VI não foi apenas o silêncio e a inação. Foi também -
quanto nos dói dizê-lo - um conjunto de atos cujo efeito perdura até hoje, os
quais dotam de prestígio e de facilidade de ação a muitos propulsores do
esquerdismo católico.
Diante desta maré montante da infiltração comunista na Santa
Igreja, as TFPs e entidades afins não desanimaram. E, em 1974, cada uma delas
publicou uma declaração
na qual exprimiam a sua inconformidade com a
Ostpolitik vaticana e seu propósito de “
resistir-lhe em face”
.
Uma frase da declaração, relativa a Paulo VI, exprime o espírito do documento:
“
E de joelhos, fitando com veneração a
figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade.
Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa
vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não mandeis que cruzemos os braços
diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe.”
Não satisfeitas com esses lances, as TFPs e entidades afins
promoveram nos respectivos países, no decurso deste ano, nove edições do
best-seller da TFP andina,
A Igreja do Silêncio no Chile - A TFP
proclama a verdade inteira .
Em quase todos esses países, a respectiva edição foi
precedida de um prólogo descrevendo múltiplos e impressionantes fatos locais
consoantes com o que ocorrera no Chile.
A acolhida desse grande esforço publicitário pode-se dizer
vitoriosa: ao todo foram impressos 56 mil exemplares, só na América do Sul,
onde, nos países mais populosos, a edição de um livro dessa natureza, quando
boa, costuma consistir em cinco mil exemplares.
Na Espanha, foi efetuado um impressionante abaixo-assinado
de mais de mil sacerdotes seculares e regulares de todas as regiões do país
manifestando à Sociedade Cultural Covadonga seu decidido apoio ao corajoso
prólogo da edição espanhola.
Que utilidade prática tem tido, neste campo específico da
batalha, a atividade contra-revolucionária das TFPs, inspirada em Revolução e Contra-Revolução?
Denunciando à opinião católica o perigo da infiltração
comunista, elas lhe têm aberto os olhos para as urdiduras dos Pastores infiéis.
O resultado é que estes vão levando cada vez menos ovelhas nos caminhos da
perdição em que se embrenharam. É o que uma observação dos fatos, ainda que
sumária, permite constatar.
Não é isto, só por si, uma vitória. Mas é uma preciosa e
indispensável condição para ela. As TFPs dão graças a Nossa Senhora por estarem
prestando, desta maneira, dentro do espírito e dos métodos da segunda parte de Revolução e Contra-Revolução, o seu
contributo para a grande luta em que também outras forças sadias - uma ou outra
de grande envergadura e capacidade de ação - se encontram empenhadas.
Fica assim delineada a situação da III Revolução e da Contra-Revolução, como elas se apresentam pouco
antes do vigésimo aniversário da publicação do livro.
De um lado, o apogeu da III
Revolução torna mais difícil do que nunca um êxito da Contra-Revolução a
breve prazo.
De outro lado, a mesma alergia anti-socialista, que
constitui presentemente grave óbice para a vitória do comunismo, cria a médio
prazo, para a Contra-Revolução, condições acentuadamente propícias. Cabe aos
vários grupos contra-revolucionários esparsos pelo mundo a nobre
responsabilidade histórica de as aproveitar.
As TFPs têm procurado realizar sua parte do esforço comum,
difundindo-se ao longo destes quase vinte anos pela América, com uma novel TFP
na França, suscitando uma dinâmica organização afim na Península Ibérica e
projetando seu nome e seus contatos em outros países do Velho Mundo, com vivos
anseios de colaboração voltados para todos os grupos contra-revolucionários que
nele pelejam.
Vinte anos depois do lançamento de Revolução e Contra-Revolução, as TFPs e entidades afins se acham
ombro a ombro com as organizações de primeira fila, na luta
contra-revolucionária.
O panorama que assim se apresenta não seria completo se
negligenciássemos uma transformação interna na III Revolução. É a IV
Revolução que dela vai nascendo.
Nascendo, sim, à maneira de requinte matricida. Quando a
II Revolução nasceu, requintou
,
venceu e golpeou de morte a primeira. O mesmo ocorreu quando, por processo
análogo, a
III Revolução brotou da
segunda. Tudo indica ter chegado agora para a
III Revolução o momento, ao mesmo tempo pinacular e fatal, em que
ela gera a
IV Revolução, e por esta
se expõe a ser morta.
- No entrechoque entre a III
Revolução e a Contra-Revolução, haverá tempo para que o processo gerador da
IV Revolução se desenvolva por
inteiro? Esta última abrirá efetivamente uma etapa nova na história da
Revolução? Ou será simplesmente um fenômeno abortivo, que vai surgindo e
desaparecerá sem influência capital, no entrechoque entre a III Revolução e a Contra-Revolução? O
maior ou menor espaço a ser reservado para a IV Revolução nascente, nestas notas tão apressadas e sumárias,
estaria na dependência da resposta a essa pergunta. Resposta essa, aliás, que,
de modo cabal, só o futuro poderá dar.
Ao que é incerto, não convém tratar como se tivesse uma
importância certa. Consagremos aqui, pois, um espaço muito limitado ao que
parece ser a IV Revolução.
Como é bem sabido, nem Marx, nem a generalidade de seus mais
notórios sequazes, tanto “ortodoxos”, como “heterodoxos”, viram na ditadura do
proletariado a etapa terminal do processo revolucionário. Esta não é, segundo
eles, senão o aspecto mais quintessenciado e dinâmico da Revolução universal.
E, na mitologia evolucionista inerente ao pensamento de Marx e de seus
seguidores, assim como a evolução se desenvolverá ao infinito no suceder dos
séculos, assim também a Revolução não terá termo. Da I Revolução já nasceram duas outras. A terceira, por sua vez,
gerará mais uma. E daí por diante...
É impossível prever, dentro da perspectiva marxista, como
seria uma Revolução n.º XX ou n.º L. Não é impossível, entretanto, prever como será
a IV Revolução. Essa previsão, os
próprios marxistas já a fizeram.
Ela deverá ser a derrocada da ditadura do proletariado em
conseqüência de uma nova crise, por força da qual o Estado hipertrofiado será
vítima de sua própria hipertrofia. E desaparecerá, dando origem a um estado de
coisas cientificista e cooperativista, no qual - dizem os comunistas - o homem
terá alcançado um grau de liberdade, de igualdade e de fraternidade até aqui
insuspeitável.
- Como? - É impossível não perguntar se a sociedade tribal
sonhada pelas atuais correntes estruturalistas dá uma resposta a esta
indagação. O estruturalismo vê na vida tribal uma síntese ilusória entre o auge
da liberdade individual e do coletivismo consentido, na qual este último acaba
por devorar a liberdade. Segundo tal coletivismo, os vários “eus” ou as pessoas
individuais, com sua inteligência, sua vontade e sua sensibilidade, e
conseqüentemente seus modos de ser, característicos e conflitantes, se fundem e
se dissolvem na personalidade coletiva da tribo geradora de um pensar, de um
querer, de um estilo de ser densamente comuns.
Bem entendido, o caminho rumo a este estado de coisas tribal
tem de passar pela extinção dos velhos padrões de reflexão, volição e sensibilidade
individuais, gradualmente substituídos por modos de pensamento, deliberação e
sensibilidade cada vez mais coletivos. É, portanto, neste campo que
principalmente a transformação se deve dar.
- De que forma? - Nas tribos, a coesão entre os membros é
assegurada sobretudo por um comum pensar e sentir, do qual decorrem hábitos
comuns e um comum querer. Nelas, a razão individual fica circunscrita a quase
nada, isto é, aos primeiros e mais elementares movimentos que seu estado
atrofiado lhe consente. “
Pensamento selvagem”
,
pensamento que não pensa e se volta apenas para o concreto. Tal é o preço da
fusão coletivista tribal. Ao pajé incumbe manter, num plano místico, esta vida
psíquica coletiva, por meio de cultos totêmicos carregados de “mensagens” confusas,
mas “ricas” dos fogos fátuos ou até mesmo das fulgurações provenientes dos
misteriosos mundos da transpsicologia ou da parapsicologia. É pela aquisição
dessas “riquezas” que o homem compensaria a atrofia da razão.
Da razão, sim, outrora hipertrofiada pelo livre exame, pelo
cartesianismo, etc., divinizada pela Revolução Francesa, utilizada até o mais
exacerbado abuso em toda escola de pensamento comunista, e agora, por fim,
atrofiada e feita escrava a serviço do totemismo transpsicológico e parapsicológico...
“
Omnes dii gentium
dæmonia”, diz a Escritura
.
Nesta perspectiva estruturalista, em que a magia é apresentada como forma de
conhecimento, até que ponto é dado ao católico divisar as fulgurações
enganosas, o cântico a um tempo sinistro e atraente, emoliente e delirante,
ateu e fetichisticamente crédulo com que, do fundo dos abismos em que
eternamente jaz, o príncipe das trevas atrai os homens que negaram Jesus Cristo
e sua Igreja?
É uma pergunta sobre a qual podem e devem discutir os
teólogos. Digo os teólogos verdadeiros, ou seja, os poucos que ainda crêem na
existência do demônio e do inferno. Especialmente os poucos, dentre esses
poucos, que têm a coragem de enfrentar os escárnios e as perseguições
publicitárias, e de falar.
Seja como for, na medida em que se veja no movimento
estruturalista uma figura - mais exata ou menos, mas em todo caso precursora -
da IV Revolução, determinados
fenômenos afins com ele, que se generalizaram nos últimos dez ou vinte anos
devem ser vistos, por sua vez, como preparatórios e propulsores do próprio
ímpeto estruturalista.
Assim, a derrocada das tradições indumentárias do Ocidente,
corroídas cada vez mais pelo nudismo, tende obviamente para o aparecimento ou
consolidação de hábitos nos quais se tolerará, quando muito, a cintura de penas
de ave de certas tribos, alternada, onde o frio o exija, com coberturas mais ou
menos à maneira das usadas pelos lapões.
O desaparecimento rápido das fórmulas de cortesia só pode
ter como ponto final a simplicidade absoluta (para empregar só esse
qualificativo) do trato tribal.
A crescente ojeriza a tudo quanto é raciocinado, estruturado
e metodizado só pode conduzir, em seus últimos paroxismos, à perpétua e fantasiosa
vagabundagem da vida das selvas, alternada, também ela, com o desempenho
instintivo e quase mecânico de algumas atividades absolutamente indispensáveis
à vida.
A aversão ao esforço intelectual, notadamente à abstração, à
teorização, ao pensamento doutrinário, só pode induzir, em última análise, a
uma hipertrofia dos sentidos e da imaginação, a essa “
civilização da imagem” para a qual Paulo VI julgou dever advertir a
humanidade
.
São sintomáticos também os idílicos elogios, sempre mais
freqüentes, a um tipo de “revolução cultural” geradora de uma futura sociedade
pós-industrial, ainda incompletamente esboçada, e da qual o comunismo chinês
seria - conforme por vezes é apresentado - um primeiro espécimen.
Bem sabemos quanto são passíveis de objeções, em muitos de
seus aspectos, os quadros panorâmicos, por sua natureza vastos e sumários como
este.
Necessariamente abreviado pelas delimitações de espaço do
presente capítulo, este quadro oferece seu despretensioso contributo para as
elucubrações dos espíritos dotados daquela ousada e peculiar finura de
observação e de análise que, em todas as épocas, proporciona a alguns homens
prever o dia de amanhã.
Os outros farão, a esse propósito, o que em todas as épocas
fizeram os espíritos banais e sem ousadia. Sorrirão e tacharão de impossíveis
tais transformações, porque são de molde a alterar seus hábitos mentais. Porque
elas aberram do bom senso, e aos homens banais o bom senso parece a única via
normal do acontecer histórico. Sorrirão incrédulos e otimistas ante essas
perspectivas, como Leão X sorriu a propósito da trivial “querela de frades”,
que foi só o que conseguiu discernir na I
Revolução nascente. Ou como o
feneloniano Luís XVI sorriu ante as primeiras efervescências da II Revolução, as quais se lhe
apresentavam em esplêndidos salões palacianos, embaladas por vezes ao som
argênteo do cravo. Ou então luzindo discretamente nos ambientes e nas cenas
bucólicas à maneira do “Hameau” de
sua esposa. Como sorriem, ainda hoje, otimistas, céticos, ante os manejos do
risonho comunismo pós-staliniano, ou as convulsões que prenunciam a IV Revolução, muitos representantes
altos, e até dos mais altos, da Igreja e da sociedade temporal no Ocidente.
Se algum dia a III
ou a IV Revolução tomar conta da vida
temporal da humanidade, acolitada na esfera espiritual pelo progressismo
ecumênico, devê-lo-ão mais à incúria e colaboração destes risonhos e otimistas
profetas do “bom senso”, do que a toda a sanha das hostes e dos serviços de
propaganda revolucionários.
Comentário acrescentado
em 1992:
A oposição dos “profetas do bom senso”
Essas várias formas
de otimismo acabarão por contrastar de tal maneira com os fatos que se seguiram
às anteriores edições de Revolução e
Contra-Revolução que, para sobreviver, os espíritos adeptos delas
refugiar-se-ão na esperança falaz e meramente hipotética de que os últimos
acontecimentos no Leste europeu determinarão o desaparecimento definitivo do
comunismo, e portanto do processo revolucionário do qual este era, até há
pouco, a ponta de lança. Sobre tais esperanças, ver os incisos acrescentados
nesta edição ao capítulo II desta III Parte.
Continuação do texto de 1976:
Falemos da esfera espiritual. Bem entendido, também a ela a IV Revolução
quer reduzir ao tribalismo. E o modo de o fazer já se pode bem notar nas
correntes de teólogos e canonistas que visam transformar a nobre e óssea
rigidez da estrutura eclesiástica, como Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu e
vinte séculos de vida religiosa a modelaram magnificamente, num tecido
cartilaginoso, mole e amorfo, de dioceses e paróquias sem circunscrições
territoriais definidas, de grupos religiosos em que a firme autoridade canônica
vai sendo substituída gradualmente pelo ascendente dos “profetas” mais ou menos
pentecostalistas, congêneres, eles mesmos, dos pajés do estruturalo-tribalismo,
com cujas figuras acabarão por se confundir. Como também com a tribo-célula
estruturalista se confundirá, necessariamente, a paróquia ou a diocese
progressista-pentecostalista.
Comentário acrescentado
em 1992:
“Desmonarquização”
das autoridades eclesiásticas
Nesta perspectiva, que tem algo de histórico e de
conjectural, certas modificações de si alheias a esse processo poderiam ser
vistas como passos de transição entre o status
quo pré-conciliar e o extremo oposto aqui indicado. Por exemplo, a
tendência ao colegiado como modo de ser obrigatório de todo poder dentro da
Igreja e como expressão de certa “desmonarquização” da autoridade eclesiástica,
a qual ipso facto ficaria, em cada
grau, muito mais condicionada do que antes ao escalão imediatamente inferior.
Tudo isto, levado às suas extremas conseqüências, poderia
tender à instauração estável e universal, dentro da Igreja, do sufrágio
popular, que em outros tempos foi por Ela adotado às vezes para preencher
certos cargos hierárquicos; e, num último lance, poderia chegar, no quadro
sonhado pelos tribalistas, a uma indefensável dependência de toda a Hierarquia
em relação ao laicato, suposto porta-voz necessário da vontade de Deus. “Da
vontade de Deus”, sim, que esse mesmo laicato tribalista conheceria através das
revelações “místicas” de algum bruxo, guru pentecostalista ou feiticeiro; de
modo que, obedecendo ao laicato, a Hierarquia supostamente cumpriria sua missão
de obedecer à vontade do próprio Deus.
Continuação do texto
de 1976:
Quando incontáveis fatos se apresentam suscetíveis de serem
alinhados de maneira a sugerir hipóteses como a do nascimento da IV Revolução, o que resta ao
contra-revolucionário fazer?
Na perspectiva de
Revolução
e Contra-Revolução, toca-lhe, antes de tudo, acentuar a preponderante
importância que no processo gerador desta
IV
Revolução, e no mundo dela nascido, cabe à Revolução nas tendências
.
E preparar-se para lutar, não só no intuito de alertar os homens contra esta
preponderância das tendências - fundamentalmente subversiva da boa ordem humana
- que assim se vai incrementando, como a usar, no plano tendencial, de todos os
recursos legítimos e cabíveis para combater essa mesma Revolução nas
tendências. Cabe-lhe também observar, analisar e prever os novos passos do
processo, para ir opondo, tão cedo quanto possível, todos os obstáculos contra
a suprema forma de Revolução tendencial, como de guerra psicológica
revolucionária, que é a
IV Revolução
nascente.
Se a IV Revolução
tiver tempo para se desenvolver antes que a III
Revolução tente sua grande aventura, talvez a luta contra ela exija a
elaboração de um novo capítulo de Revolução
e Contra-Revolução. E talvez esse capítulo ocupe por si só um volume igual
ao aqui consagrado às três revoluções anteriores.
Com efeito, é próprio aos processos de decadência complicar
tudo, quase ao infinito. E por isso cada etapa da Revolução é mais complicada
que a anterior, obrigando a Contra-Revolução a esforços paralelamente mais
pormenorizados e complexos.
* * *
Nessas perspectivas sobre a Revolução e a Contra-Revolução,
e sobre o futuro do trabalho que cumpre levar a cabo em função de uma e de
outra, encerramos as presentes considerações.
Incertos, como todo o mundo, sobre o dia de amanhã, erguemos
em atitude de prece os nossos olhos até o trono excelso de Maria, Rainha do
Universo. E ao mesmo tempo nos sobem aos lábios, adaptadas a Ela, as palavras
do Salmista dirigidas ao Senhor:
“Ad te levavi oculos meos, qui habitas in
Caelis. Ecce sicut oculi servorum in manibus dominorum
suorum. Sicut oculi ancillae in manibus dominae suae; ita oculi nostri ad
Dominam Matrem nostram donec misereatur nostri” .
Sim, voltamos nossos olhos para a Senhora de Fátima,
pedindo-Lhe quanto antes a contrição que nos obtenha os grandes perdões, a
força para travarmos os grandes combates, e a abnegação para sermos
desprendidos nas grandes vitórias que trarão consigo a implantação do Reino
d'Ela. Vitórias estas que desejamos de todo coração, ainda que, para chegar até
elas, a Igreja e o gênero humano tenham de passar pelos castigos apocalípticos
- mas quão justiceiros, regeneradores e misericordiosos - por Ela previstos em
1917 na Cova da Iria.
Interrompemos a parte final de Revolução e Contra-Revolução, edição brasileira de 1959, para
atualizar, nas páginas que precedem, o texto original
Isto feito, perguntamo-nos se a pequena Conclusão do texto
original de 1959 e das edições posteriores ainda merece ser mantida, ou se
comporta, pelo menos, alguma modificação. Relemo-la com cuidado. E chegamos à
persuasão de que não há motivo para não mantê-la, bem como não há razão para
alterá-la no que quer que seja.
Dizemos, hoje, como dissemos então:
Na realidade, por tudo quanto aqui se disse, para uma
mentalidade posta na lógica dos princípios contra-revolucionários, o quadro de
nossos dias é muito claro. Estamos nos lances supremos de uma luta, que
chamaríamos de morte se um dos contendores não fosse imortal, entre a Igreja e
a Revolução. Filhos da Igreja, lutadores nas lides da Contra-Revolução, natural
é que, ao cabo deste trabalho, o consagremos filialmente a Nossa Senhora.
A primeira, a grande, a eterna revolucionária, inspiradora e
fautora suprema desta Revolução, como das que a precederam e lhe sucederem, é a
Serpente, cuja cabeça foi esmagada pela Virgem Imaculada. Maria é, pois, a
Padroeira de quantos lutam contra a Revolução.
A mediação universal e onipotente da Mãe de Deus é a maior
razão de esperança dos contra-revolucionários. E em Fátima Ela já lhes deu a
certeza da vitória, quando anunciou que, ainda mesmo depois de um eventual
surto do comunismo no mundo inteiro, “por fim seu Imaculado Coração triunfará”.
Aceite a Virgem, pois, esta homenagem filial, tributo de
amor e expressão de confiança absoluta em seu triunfo.
Não quereríamos dar por encerrado o presente artigo, sem um
preito de filial devotamento e obediência irrestrita ao “doce Cristo na terra”,
coluna e fundamento infalível da Verdade, Sua Santidade o Papa João XXIII.
“Ubi Ecclesia ibi
Christus, ubi Petrus ibi Ecclesia”.
É pois para o Santo Padre que se volta todo o nosso amor,
todo o nosso entusiasmo, toda a nossa dedicação. É com estes sentimentos, que
animam todas as páginas de “Catolicismo” desde sua fundação, que nos
abalançamos também a publicar este trabalho.
Sobre cada uma das teses que o constituem, não temos em
nosso coração a menor dúvida. Sujeitamo-las todas, porém, irrestritamente ao
juízo do Vigário de Jesus Cristo, dispostos a renunciar de pronto a qualquer
delas, desde que se distancie, ainda que de leve, do ensinamento da Santa
Igreja, nossa Mãe, Arca da Salvação e Porta do Céu.
Com as palavras anteriores concluí as várias edições de Revolução e Contra-Revolução publicadas
desde 1976. Ao ler essas palavras, quem tem em mãos a presente edição,
aparecida em 1992, se perguntará necessariamente em que pé se encontra hoje o
processo revolucionário. Vive ainda a III
Revolução? Ou a queda do império soviético permite afirmar que a IV Revolução já está em vias de irromper
no mais profundo da realidade política do Leste europeu, ou mesmo que já
venceu?
É necessário distinguir. Nos presentes dias, as correntes
que propugnam a implantação da IV
Revolução se estenderam – em formas embora diversas – ao mundo inteiro, e
manifestam, mais ou menos por todas as partes, uma sensível tendência a
avolumar-se.
Nesse sentido, a IV
Revolução vai num crescendo
promissor para os que a desejam, e ameaçador para os que se batem contra ela.
Mas haveria evidente exagero em dizer que a ordem de coisas atualmente
existente na ex-URSS já é totalmente modelada segundo a IV Revolução e que ali nada mais resta da III Revolução.
A IV Revolução, se
bem que inclua também o aspecto político, é uma Revolução que a si mesma se
qualifica de “cultural”, ou seja, que abarca grosso modo todos os aspectos do existir humano. Assim, os
entrechoques políticos que venham a surgir entre as nações que compunham a URSS
poderão condicionar fortemente a IV
Revolução, mas é difícil que os mesmos se imponham de modo dominante aos
acontecimentos, isto é, a todo o conjunto de atos humanos que a “revolução
cultural” comporta.
Mas, e a opinião pública dos países que até ontem eram
soviéticos (e que em bom número ainda são governados por antigos comunistas)?
Não tem ela algo a dizer sobre isto, já que representou, segundo Revolução e Contra-Revolução, um papel
tão grande nas Revoluções anteriores?
A resposta a essa pergunta se dá por meio de outras: Há
verdadeiramente opinião pública naqueles países? Pode ela ser engajada num processo
revolucionário sistemático? Em caso negativo, qual é o plano dos mais altos
dirigentes nacionais e internacionais do comunismo acerca do rumo que se deve
dar a essa opinião?
É difícil responder a todas essas perguntas, dado que neste
momento a opinião pública daquilo que foi o mundo soviético se apresenta
evidentemente átona, amorfa, imobilizada sob o peso de 70 anos de ditadura
total, na qual cada indivíduo temia, em muitos ambientes, enunciar sua opinião
religiosa ou política a seu parente mais próximo ou a seu mais íntimo amigo,
porque uma provável delação – velada ou ostensiva, verídica ou caluniosa –
poderia lançá-lo em trabalhos forçados sem fim, nas geladas estepes da Sibéria.
Entretanto, em qualquer caso, é necessário responder a essas perguntas antes de
elaborar prognósticos sobre o curso dos acontecimentos no que foi o mundo
soviético.
Soma-se a isso que os meios internacionais de comunicação
continuam a referir-se, como já disse, à eventual migração de hordas famintas,
semicivilizadas (o que eqüivale a dizer semibárbaras) aos bem abastecidos
países europeus, que vivem no regime consumista ocidental.
Pobre gente, cheia de fome e vazia de idéias, que então
entraria em choque com o mundo livre, sem compreendê-lo – mundo este que, em
certos aspectos, poderia ser qualificado de super-civilizado e, em outros, de
gangrenado!
O que resultaria desse entrechoque, quer na Europa invadida,
quer, por reflexo, no antigo mundo soviético? Uma Revolução autogestionária,
cooperativista, estruturalo-tribalista
,
ou, diretamente, um mundo de anarquia total, de caos e de horror, que não
vacilaríamos em qualificar de
V Revolução?
No momento em que esta edição vem a lume é manifestamente
prematuro responder a tais perguntas. Mas o futuro se nos depara tão carregado
de imprevistos que amanhã talvez já seja demasiadamente tarde para fazê-lo.
Pois, qual seria a utilidade dos livros, dos pensadores, do que, enfim, reste
de civilização, em um mundo tribal no qual estivessem desatados todos os
furacões das paixões humanas desordenadas e todos os delírios dos “misticismos”
estruturalo-tribalistas? Trágica situação essa, na qual ninguém seria alguma
coisa, sob o império do Nada...
* * *
Gorbachev continua em Moscou. E lá permanecerá, pelo menos
enquanto não se decida a aceitar os convites altamente promocionais que se
açodaram a lhe fazer, pouco depois de sua queda, os reitores das prestigiosas
Universidades de Harvard, Stanford e Boston
.
Isto, se ele não preferir aceitar a hospedagem régia que lhe ofereceu Juan
Carlos I, Rei da Espanha, no célebre palácio de Lanzarote, nas Ilhas Canárias
,
ou a cátedra a que fora convidado pelo famoso Collège de France
.
Ante tais alternativas, o ex-líder comunista, derrotado no
Oriente, parece só ter o embaraço de escolha entre os convites mais lisonjeiros
no Ocidente. Até o momento, ele apenas se decidiu por escrever uma série de
artigos para uma cadeia de vários jornais do mundo capitalista, mundo este em
cujas altas esferas continua a encontrar um apoio tão fervoroso quanto
inexplicável. E a fazer uma viagem aos Estados Unidos, cercado de grande
aparato publicitário, a fim de conseguir fundos para a chamada Fundação
Gorbachev.
Assim, enquanto Gorbachev está na penumbra em sua própria
pátria – e, mesmo no Ocidente, vem tendo seu papel seriamente questionado -,
magnatas do ocidente se empenham de diversos modos em manter as luzes de uma
lisonjeira publicidade assestadas sobre o homem da
perestroika, o qual, entretanto, durante toda a sua carreira
política insistiu em dizer que essa reforma por ele proposta não é o oposto do
comunismo, mas um requinte deste
.
Quanto à frouxa federação soviética que agonizava quando
Gorbachev foi precipitado do Poder, acabou por se transformar em uma quase
imaginária “Comunidade de Estados Independentes”, entre cujos componentes se
vêm acendendo sérias fricções, as quais causam preocupação a homens públicos e
a analistas políticos. Tanto mais quanto várias dessas repúblicas ou
republiquetas possuem armamentos atômicos que podem disparar, umas contra as
outras (ou contra os adversários do Islã, cuja influência no mundo ex-soviético
cresce dia a dia), com vivas apreensões para os que se preocupam com o
equilíbrio planetário.
Os efeitos dessas eventuais agressões atômicas podem ser
múltiplos. Entre eles, principalmente, o êxodo de populações contidas outrora
pelo que foi a cortina de ferro, e que, premidas pelos rigores de um inverno
habitualmente inclemente e pelos riscos de catástrofes imensas, podem sentir
redobrados impulsos para “pedir” a hospitalidade da Europa Ocidental. E não só
dela, mas também de nações do continente americano...
Em abono dessas perspectivas, no Brasil, o sr. Leonel
Brizola, governador do Estado do Rio de Janeiro, com aplauso do ministro da
Agricultura do Brasil, propôs atrair lavradores do Leste europeu, dentro dos
programas oficiais de Reforma Agrária
.
Em seguida, o presidente da Argentina, Carlos Menem, em contatos com a
Comunidade Econômica Européia, manifestou-se disposto a que seu país acolha
muitos milhares desses imigrantes
.
E, pouco depois, a titular da Chancelaria colombiana, sra. Nohemí Sanín, disse
que o governo de seu país estuda a admissão de técnicos provenientes do Leste
.
Até estes extremos podem chegar os vagalhões das invasões.
E o comunismo? O que é feito dele? A forte impressão de que
ele morrera apoderou-se da maior parte da opinião pública do Ocidente,
deslumbrada ante a perspectiva de uma paz universal de duração indeterminada.
Ou quiçá de uma duração perene, com o conseqüente desaparecimento do terrível
fantasma da hecatombe nuclear mundial.
Esta “lua de mel” do Ocidente com seu suposto paraíso de
desanuviamento e de paz, vem refulgindo gradualmente menos.
Com efeito, referimo-nos pouco atrás às agressões de toda
ordem que relampagueiam nos territórios da finada URSS. Cabe-nos, pois,
perguntar se o comunismo morreu. De início, as vozes que punham em dúvida a
autenticidade da morte do comunismo foram raras, isoladas e escassas em
fundamentação.
Aos poucos, de cá e de lá, sombras foram aparecendo no
horizonte. Em nações da Europa Central e dos Bálcãs, como do próprio território
da ex-URSS, foi-se notando que os novos detentores do Poder eram figuras de
destaque do próprio Partido Comunista local. Exceto na Alemanha Oriental, a
caminhada para a privatização na maioria das vezes se vem fazendo muito mais na
aparência do que na realidade, isto é, a passos de cágado, lentos e sem rumo
inteiramente definido.
Ou seja, pode-se dizer que nesses países o comunismo morreu?
Ou que ele entrou simplesmente num complicado processo de metamorfose? Dúvidas
a este respeito se vêm avolumando, enquanto os últimos ecos da alegria
universal pela suposta queda do comunismo se vêm apagando discretamente.
Quanto aos partidos comunistas das nações do Ocidente,
murcharam de modo óbvio, ao estampido das primeiras derrocadas na URSS. Mas já
hoje vários deles começam a se reorganizar com rótulos novos. Esta mudança de
rótulo é uma ressurreição? Uma metamorfose? Inclino-me de preferência por esta
última hipótese. Certezas, só o futuro as poderá dar.
Esta atualização do quadro geral em função do qual o mundo
vai tomando posição, pareceu-me indispensável como tentativa de pôr um pouco de
clareza e de ordem num horizonte em cujos quadrantes o que cresce
principalmente é o caos. Qual é o rumo espontâneo do caos senão uma
indecifrável acentuação de si próprio?
* * *
Em meio a esse caos, só algo não variará. É, em meu coração
e em meus lábios, como no de todos os que vêem e pensam comigo, a oração
transcrita ao final da Parte III: “Ad te
levavi oculos meos, qui habitas in coelis. Ecce sicut oculi servorum in manibus
dominorum suorum, sicut oculi ancilae in manibus dominae suae; ita oculi nostri
ad Dominam Matrem nostram donec misereatur nostri”. É a afirmação da
invariável confiança da alma católica, genuflexa, mas firme, em meio à
convulsão geral.
Firme com toda a firmeza dos que, em meio da borrasca, e com
uma força de alma maior do que esta, continuarem a afirmar do mais fundo do
coração: “Credo in Unam, Sanctam,
Catholicam et Apostolicam Ecclesiam”, ou seja, Creio na Igreja Católica,
Apostólica, Romana, contra a qual, segundo a promessa feita a Pedro, as portas
do inferno não prevalecerão.
Cópia da edição abaixo:
Revolução e Contra-Revolução
4ª edição em português
Artpress – São Paulo – 1998
Nova postagem do Grupo de Estudos G 23 ( Curitiba Paraná Brazil)
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